Capítulo 24

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Seus olhos estavam fechados e os movimentos tranquilos do seu peito, subindo e descendo era o principal indicativo de que os cortes em diversos tamanho e gravidades espalhados como salpicos em seu corpo e rosto não havia sido fatal. Sofia adormecia alheia como se não tivesse quase morrido à apenas algumas horas atrás, ignorando até o seu estado físico. Apesar de aparentemente seus cortes não serem tão profundos, exceto por um ou dois em seu braço direito coberto por gases brancas e limpas. Um curativo também estava em sua têmpora direita. Os curativos eram a única parte dela que não estava coberto de poeira e foligem, todo o resto estava: seu cabelo castanho dourado na altura do ombro em um emaranhado e sua trança bagunçada em tons opacos de cinza e marrom, suas roupas tão suja quanto seu rosto e cabelo, coberto por poeira e sangue, sangue que eu podia jurar que não era só seu, Sofia provavelmente ajudou outras pessoas assim como ela a sair dos escombros do Covil. Havia sido por pouco que a pessoa que agora estava deitada na estreita maca na minha frente não havia se tornado um cadáver e fora por pouco que eu não havia perdido mais alguém da minha família, 17 anos é muito cedo para carregar tantas perdas.

- É preciso ser quase levada pelos ares para a minha querida irmã finalmente aparecer. - Diz Sofia à voz rouca e arrastada, como se até mesmo falar fosse doloroso e difícil de fazer. Eu estava sentada em uma cadeira próximo da sua maca, deixado em cada divisória para os acompanhantes. O galpão hospitalar era distribuído por centenas de leitos separados apenas por espessas cortinas de plástico azul enumeradas ao longo do extenso galpão e o espaço entre um leito e outro era apertado o suficiente apenas para uma maca e uma cadeira serem acomodados, permitindo um mínimo grau de locomoção entre o espaço. Eram as cortinas a única barreira que separava os doentes mesmo os níveis mais altos de exposição aos metais pesados, quando a doença os acometia e até respirar era difícil. Separados apenas por cortinas de plástico, mas as vezes muitos infligiam em si próprios dilacerações apenas por uns dias a mais de abrigo e comida, mesmo com o alto risco de contaminação entre os pacientes, quando até mesmo os alojamentos comunitários beiravam a superlotação e desordem. Não havia médicos de fato, o continente não se incomodava em fornece-los ou eles nunca se permitiam ficar mais que alguns meses para inspecionar os doentes e catalogar os mortos, eles mandavam cotas extras de suprimentos enlatados como forma de mascarar a negligência. Se é aversão ao que provavelmente seriam encontrados nas macas, nunca nos foram revelados. Então Cirta criou suas próprias regras, os que eram curados voltavam para se voluntariarem para serem instruídos pelos mais antigos e assim ajudarem mais doentes a encontrarem uma forma de sairem curados e vivos, de sobreviverem a mais um dia, a mais uma semana. Os voluntários e acompanhantes tinham que usar lenço no rosto, era a única proteção acessível contra a exposição contínua dos pacientes. Não havia remédios de fato, só aqueles fornecidos pelo galpão 7 ou as ervas que eram volta e meia trazidas por alguém do Mercado do Peso para amenizar as dores e trazerem o sono aos feridos. Aprendemos a usar o que tínhamos em mãos, a fazer nossa própria cura.
Minhas mãos estavam unidas sobre minhas pernas enquanto eu fitava o chão de concreto batido do galpão. Eu havia saído assim que a névoa da noite tinha se dissipado quase que completamente, dando lugar para o nublado e cinza do dia, nada de raios de sol ou luz. Em Cirta não existe tais privilégios, só existe névoa cinzenta e a fina neblina. Acabamos por distinguir a passagem do dia para a noite dessa forma, quando o nublado e a névoa está quase de uma escuridão palpável, sendo dispersada apenas pelas luzes dos postes espalhados pelos distritos e vilarejos que ascendem com alguma espécie de lembrete secreto para lembrarmos que chegou ao fim de um longo dia de trabalho nos galpões, acionando a sirene do distrito de trabalho, dispersando os funcionários na noite recém iluminada pelas luzes artificiais, nada de estrelas no céu, nada de lua a ser contemplada, apenas nuvem cinza e as luzes fracas dos postes. Jonathan não apareceu na manhã seguinte batendo na porta do quarto para lembrar o compromisso que havíamos inconscientemente traçado pelas manhãs, ele não era tolo a esse ponto. Mas eu pude jurar que por um breve momento enquanto parei próximo da entrada dos carros para esconder uma das adagas gêmeas no fundo da minha bota, antes de ligar a lanterna e sair no escuro do túnel, que alguém estava me observando, mas quando olhei para trás não havia ninguém parado na soleira da grande entrada até o rall principal, havia apenas o escuro. Eu finalmente levanto o rosto para encará-la, e então digo a única coisa que conseguiu escapar dos meus lábios:

OS RETALHADORESOnde histórias criam vida. Descubra agora