Capítulo 2

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- Deveríamos ter vindo mais cedo. -
Mal ouço minha irmã entre a confusão de pessoas que se amontoa no Mercado do Peso, - desse jeito... é provável que nem tenha mais bolo de carne. - Sua voz sai como um sussurro frustrado, hoje Sofia está mais calada do que o habitual tem algo à incomodando e não é por causa do bolo de carne.

- Aconteceu alguma coisa? - digo tentando trazê-la ao presente, apesar do barulho e da confusão à nossa volta ela parece está em outro lugar.

- Mery hoje você terá que fazer as negociações sem mim. - Ela diz como que em resposta a minha pergunta.

- Por qual motivo... aonde você vai?
- Franzo a testa em confusão.

- Me reunir com o Conselho. - Tentaram invadir o galpão 7 a duas noites atrás, ainda não sabemos o quanto eles levaram e Marcelus acha que pode ter o dedo dos Retalhadores.

Há quase dois meses os primeiros ataques ao continente começaram. De início havia especulações de que seria obra dos homens do Marcelus já que era o esquadrão resgate que organizava expedições secretas ao continente, mas logo se espalhou a notícia de que um novo grupo se intitulando de "Os Retalhadores" teria surgido ao leste de Cirta nos distritos próximos aos galpões de costura, por isso a origem do nome.

Na noite do primeiro ataque os Retalhadores mataram os guardas, roubaram os trajes as armas e os cartões de acesso e se infiltraram no carregamento que sairia do galpão de costura, próximo a troca de turnos para que os Duplicados não os identificassem, mas eles não contavam com os escudos de identificação da fronteira norte e muito menos com as dezenas de guardas e Duplicados que resguardava àquele perímetro, armados até os dentes com ordem de atirar em qualquer coisa que tentasse dar um passo além do permitido. Eles voltaram duas semanas depois com 12 homens e muitos explosivos caseiros, seus métodos eram arcaicos mas destrutivos e sem misericórdia. Os rebeldes sabiam que não conseguiriam atravessar a barreira elétrica mas precisavam parecer que podiam, precisavam deixar o recado.

Os Retalhadores deixaram o recado. As câmeras transmitiram o ataque ao continente e a população se encarregou de espalhar os boatos e o medo. Mas as consequências também chegariam, a cada abatimento de um Duplicado ou roubo dos jatos de abastecimento as doses das vitaminas do sol seriam reduzidas pela metade para a população dos distritos que tivessem algum resquício de apoio a causa rebelde e a jornada de trabalho ficaria ainda mais extenuante. Uma forma do continente dizer que eles sempre estarão um passo a frente e não importa o que os Retalhadores tentem fazer, nós sempre estaremos em desvantagem. - Tolos, não entendem que assim nunca irão atingir o continente de verdade?

- Não desse jeito.

- Mery? - mal notei que estava vagando em meus pensamentos quando minha irmã tocou em meu ombro.

- O- oi. - A palavra saiu quase inaudível em meio ao barulho a nossa volta.

- O que você disse? - Perguntou Sofia dando de ombros.

- Que tentarei negociar próximo ao distrito X, lá os metais valem mais e o movimento é melhor. - Digo simplesmente.

- Há guardas em todos os lugares, então, cuidado aonde põe as mãos. - Diz ela, seus olhos verdes fitando além dos meus ombros.

Quase nunca os mercadores me viam quando eu sutilmente usurpava suas moedas trocando por sacos com pedras e me misturava entre a multidão, levava alguns minutos até que eles percebessem a troca e ficassem desesperados procurando o ladrãozinho; as roupas largas, minha silhueta magra e sem curvas e o lenço gasto no rosto além de tentar amenizar o contato com o ar metálico da Caixa e do Mercado do Peso, também ajuda a parecer mais masculino. Meu cabelo castanho dourado apesar de ser na altura do abdômen, na maioria das vezes está trançado e sob o capuz do casaco velho de couro, se eles fossem um pouco mais espertos veriam mesmo sob o lenço os traços finos e delicados do meu rosto ou como meus cílios volumosos intensificam meus olhos cor de âmbar e salpicados de amarelo, idênticos aos do meu pai e que me diferencia ainda mais de um garoto.

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