Capítulo 23

27 4 0
                                    

- Mantenha os ombros firmes Emery. - Exige Jonathan pela terceira vez em menos de cinco minutos, enquanto eu tento acertar um alvo a cinco metros de distância. Já estávamos a quase uma hora na caverna e eu ainda não conseguia acertar um só disparo, mesmo que fosse na beirada da madeira, nada. A noite passada havia sido péssima, eu mal havia chegado na metade do livro de ficção medieval quando acabei por adormecer na poltrona, e algum tempo depois o Jonathan bateu na porta do quarto e eu soube que não havia dormido mais que alguns minutos.

- Você já me disse isso, eu não sou surda. - Resmungo irritada enquanto tento manter meus ombros firmes e minha concentração no alvo à frente.

- E parece que não ouviu da primeira vez. - Rebate ele ao meu lado um pouco impaciente.

- Se ficar colado em mim eu não irei acertar nada. - Digo por cima do ombro, enquanto concentro minha atenção no alvo.

- Isso quer dizer que minha presença te desconcentra? - Diz ele erguendo as sobrancelhas e me lançando um sorrisinho malicioso.

- Isso quer dizer que sua presença me atrapalha. - Rebato me afastando alguns passos para o lado, ainda com a mão direita esticada pronta para apertar o gatilho.

- Você não vai acertar. - Ele afirma, bufando e revirando os olhos se aproximando ainda mais de mim até nossos corpos ficaram quase grudados, um ao lado do outro.

- Já lhe disse para não ficar colado em mim. - Digo tentando me afastar. Jonathan se move ficando atrás de mim e envolvendo suas mãos na minha mão direita estendida. - O que diabos você está fazendo?! - Pergunto por cima do ombro um pouco surpresa.

- Te mostrando como fazer? - Ele sussurra, abaixando até está colado ao meu ouvido. - Mantenha os ombros firmes, Emery - sua voz ao mesmo tempo uma ordem e uma orientação. Sua voz grave é como um ronrronar, me arrepiando quase que instantaneamente, como se eu estivesse em meio a uma ventania das mais congelantes, talvez ele esteja fazendo isso de propósito para me afeta de alguma forma ou tirar a minha concentração, embora eu desconfie de que esteja nítido em cada movimento que eu faça desde que saímos da Alcova o quanto eu estou alheia, apenas de corpo presente... -, separe um pouco mais as pernas... e quando eu disser pronta... você aperta o gatilho. - Ele concluiu, erguendo a cabeça e mantendo nossas mãos ainda unidas. Eu respiro profundamente, soltando o ar que nem sabia que estava prendendo, eu sinto minhas mãos suarem, embora eu não esteja nem um pouco com calor e meu coração é como uma batida frenética aos meus ouvidos, pelo sol, o que está acontecendo comigo? Jonathan se abaixa novamente rende ao meu ouvido direito, e então diz, à voz grave e suave: - No três você atira. - Eu ajeito a mira até o meio do alvo, mesmo sabendo que é pouco provável que eu acerte de forma tão precisa e ajeito um pouco mais a minha postura. - Um... dois - Jonathan começa a contar com uma calma agoniante e ensaiada - ... três, quando você estiver pronta, meu sol. - Diz ele erguendo a cabeça e tirando suas mãos da minha estendida e se afastando um pouco de mim, eu balbucio alguma coisa o repreendendo pela última palavra, demostrando o quanto odeio que ele me chame assim, antes de respirar profundamente e apertar o gatilho da pistola, Jonathan apenas me lança um meio sorriso torto, como se dizendo exatamente que sabe muito bem disso e o faz mesmo assim por pura provocação. E então eu atiro e para a minha surpresa acerto o alvo a cinco metros de distância bem na demarcação do meio, eu fico paralisada e sem reação com a mão ainda estendida. - Como eu disse: é tudo uma questão de postura. - Diz ele agora ao meu lado e com um sorrisinho de aprovação em seus lábios. Eu abaixo minha mão com a pistola e depois de pigarriar algumas vezes para que ele, enfim, se desgrudasse de mim, Jonathan diz por cima do ombro, enquanto caminha até uma parede próxima se encostando nela:
- Pelo visto minha presença não te desconcentra tanto assim. - Diz ele em tom arrastado, cruzando os braços em um gesto relaxado e claramente satisfeito. Nas duas horas seguintes eu havia acertado quase todos os cinco alvos espalhados na caverna, três deles bem no centro com  uma precisão que eu mal sabia que tinha. Jonathan se manteve durante todo o tempo apenas observando em uma calma irritante e as vezes se pegava dando uma ou duas instruções quanto a forma que eu devia manter os meus ombros ou a respiração enquanto pressionava o gatilho da pistola. Mas o fato é, que embora tenha se passado apenas dois dias desde que havíamos começado a treinar os tiros, eu de certa forma estava fazendo algum progresso, mesmo que em tão pouco tempo.

OS RETALHADORESOnde histórias criam vida. Descubra agora