𝐂𝐡. 𝟑𝟓

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a.ca.ta.lep.si.a {s.f.}: a impossibilidade de verdadeiramente compreender qualquer coisa




  — Rayna —

A consciência volta para mim como a primeira chuva de verão. É repentina e me assusta, mas o choque passa rapidamente. Estou mais desacreditada do que assustada.

  Meu corpo descansa na minha cama. E ao mesmo tempo que é familiar, é também a sensação mais estranha que já senti. O lençol pinica os meus braços desconfortavelmente, e quando olho para os meus dedos eles estão um pouco mais longos que antes. É quase imperceptível, mas a diferença está lá. O cheiro das ervas doces plantadas na minha janela fazem cócegas no meu nariz. Coisas antes que eram tão familiares para mim.

  Quando me sento, Eve corre para o meu lado. Eve, o nome é estrangeiro mesmo em minha mente. Olhando para ela só consigo ver os vestígios de seu verdadeiro nome. Aeryn. E ainda assim, ela não é uma total estranha para mim. Na verdade, ela é a coisa menos estranha da minha antiga vida.

  Porque ela também pertence á nova.

  Ela faz menção de encostar um copo d'água na minha boca, mas me afasto.

  — Acho que tive água o suficiente por hoje. — me lembro dos últimos instantes antes de atravessar o espelho com mais clareza do que quando os vivenciei. Eu estava cega de adrenalina, com a possibilidade de cumprir minha promessa e buscar Aeryn. Mas eles tinham sido agonizantes, puro desespero aquático, lutando por uma mísera gota de ar.

  — Achei que nunca mais a veria, — ela confessa, sentando no colchão ao meu lado.

  — E achei que estaria em condições melhores de chutar sua bunda quando a encontrasse. — digo sentando propriamente, ela solta uma risada nasalada, seguida de uma fungada. Aeryn estivera chorando.

  — Imaginei que ficaria com raiva de mim quando descobrisse. — ela estende a mão para encontrar a minha mas recua. — Queria te contar, só não podia.

  O ênfase na palavra me diz que há algo pós trás delas.

  — O que diabos aconteceu? Realmente? Era para você estar morta... — não consigo completar a frase. Lembro que Aeryn perdeu a mãe naquele dia e que ainda deve doer para ela.

  — Ruby me encontrou na floresta aquela noite. Eles primeiro arrancaram nossas asas, sabiam como era importante que tivéssemos o direito de mantê-las. Não era só um troféu para eles, mas uma forma de nos torturar. — posso vê-la lutando contra a memória. Não havia apenas raiva, tristeza profunda era ouvida em sua voz, vista em seus olhos. — Nos deixaram machucadas, enquanto esperavam que sangrássemos até a morte. Eu assisti minha mãe morrer... — ela fecha os olhos e então os abre rapidamente como se o ato tornasse a lembrança mais vívida. — E então tudo parou, as risadas cessaram, seus corpos congelaram. Ruby apareceu, segurando uma pedra brilhante que fazia o tempo parar, era a última que ela tinha. Ela me disse que precisaria de mim no futuro, que se ela me salvasse naquele momento eu teria que fazer algo para ela...

  Coloco a minha mão sobre a dela. Sua mão é quente.

  — Não imaginei que ela me traria para esse mundo. Não fazia ideia de que oque ela precisaria de mim, me manteria tão longe da minha família.

— O que ela precisava de você? — era apenas necessário que eu fosse cuidadosa com as intenções de Ruby, ela havia mentido para mim durante toda a minha vida.

  — Eu... Não consigo lembrar. — Aeryn franze o nariz. — Lembro dela me contando sobre você, sobre quem é. Sei que fizemos um acordo e tenho a marca para provar, mas não consigo lembrar o que foi acordado entre nós. Imagino que a falta da memória tenha sido um dos termos.

  Isso me preocupa. Não consigo imaginar que tipo de coisa Aeryn teria aceitado para salvar a própria vida. Ela devia estar desesperada, o que só me faz pensar que seja algo grandioso se foi preciso ser esquecido. Gostaria que Ruby estivesse viva para me contar, mas duvido que ela o faria.

— Seu pai e Rhysand os mataram, — digo esperando que isso lhe traga um pouco de conforto. — todos menos um.

  Não consigo dizer que foi assim que seu pai morreu. Sou covarde, mas prefiro que seja outra pessoa a dizer as partes ruins.

  — Qual? — vejo determinação em seus olhos selvagens. Ela pergunta como uma princesa, alguém que está acostumada a ter suas demandas respondidas.
 
  Vingança. É exatamente isso que significa sua determinação.

  — Tamlin, — respondo e fico com dó dele. Eu não gostaria de estar na lista negra de Aeryn.

  — Como está Rhysand? Pela Mãe, ele deve ter sofrido tanto nesses dois anos, temos que voltar o mais rápido possível. — Você conheceu os idiotas dos amigos do meu irmão? Ah, e Mor!

  Percorro o quarto com os olhos e me surpreendo ao ver que o espelho está de pé encostado na parede, ele não reflete o quarto, mas sim a água azul do lago. E então reparo no que Aeryn disse.

  — Dois anos? — pergunto.

  — Sim, — ela responde confusa. — quando me conheceu eu tinha acabado de chegar aqui.

  — Não, — digo, mas não porque não acredito nela. — Não. — repito tropeçando para fora da cama. Realização me deixando desesperada.

  Ela se levanta e me segura, não estou acostumada com o peso do meu corpo feérico. Pelos deuses eu sou uma grã-feérica agora.

  — Quanto tempo estive dormindo? — pergunto, mas meus olhos estão focados no espelho de Érebo.

  — Umas duas horas.

  — Puta que pariu!

  — Não estou te entendendo, Rayna.

  — Você não esteve aqui por dois anos, foram quase cem. — a respiração dela falha. — O tempo deve correr de forma diferente aqui. Se dois anos traduzem para cem, duas horas...

  Tento fazer a conta na minha cabeça, mas não consigo pensar em mais nada. Eles devem ter achado que eu morri. Azriel...

  — Cerca de duas semanas. — sua voz está estrangulada.
 
  — A gente tem que ir. Agora.

  — Não precisa dizer duas vezes. — Aeryn assente. — Como voltamos?

  — Eu apenas nadei até ele e atravessei, — digo me aproximando, encosto o dedo nele e a água se espalha em círculos. — Acredito que só precisamos... Entrar. Porém, se ele está no mesmo lugar vamos precisar nadar até a superfície do lago. Ele deve devolver sua forma feérica, foi assim que consegui a minha.

  Olho para os seus olhos amendoados, essa é a última vez que os verei dessa cor.

  — Preparada?

  Aeryn respira fundo e segura a minha mão.

  — Vamos voltar para casa, Aeryn. — ela sorri ao ouvir o nome verdadeiro.

  — Para casa. — ela responde.

    E então nós duas atravessamos o espelho.

𝕬 𝕮𝖔𝖚𝖗𝖙 𝖔𝖋 𝕭𝖑𝖔𝖔𝖉 𝖆𝖓𝖉 𝕾𝖍𝖆𝖉𝖔𝖜𝖘 | acotarOnde histórias criam vida. Descubra agora