Capítulo 4

2.1K 300 32
                                    

  Ele não me seguiu. Não sei porque pensei que ele viria atrás de mim, talvez ele ainda fosse obra da minha mente e eu precisava de um banho quente e remédios fortes.

  Assim que fechei a porta da sala, minha mãe apareceu na cozinha à direita, com uma panela na mão, o rosto afogueado.

—Ah, é você. Como foi seu dia?

  Sorrio com isso enquanto a sigo para perto do fogão. O cheiro dos temperos me fazem ter ainda mais fome.

—Assim você magoa meus sentimentos, mãe. Isso lá é jeito de falar com sua filha trabalhadora? - dou um beijo em sua testa e sigo para a sala, atirando os sapatos para todos os lados.

  Ela ri e balança a cabeça.

—Seu irmão disse que passaria aqui, achei que era ele.

—Se ele vier mesmo, pede pra ele ir no meu quarto, preciso mostrar um projeto do trabalho.

  Mas é claro que ninguém vem. Já são onze da noite quando me enfio debaixo do cobertor em meu quarto, cujas janelas são viradas para a rua, e eu consigo ouvir e ver os carros vez ou outra graças a janela alta e larga.

  Com o corpo relaxado pelo banho, pensei que ficaria mais relaxada, mas não, ainda está lá a, a tensão em minha coluna, como uma etiqueta que irrita até meus últimos neurônios.

  O olhar de Azriel não sai da minha cabeça. A cara de chateado. Mas... Porra, o que eu deveria fazer? Ainda acho que estou sonhando, mas é estranho demais que várias outras pessoas, inclusive minha mãe, o vejam também. Talvez seja um sonho coletivo. Pode ser. Tanto faz.

  Minha cabeça gira para todos os lados enquanto encaro a escuridão do quarto, quebrado vez ou outra pela luz dos faróis.

  Eu pego no sono de exaustão às três da manhã. E é assim o final de semana inteiro. Lutando para pegar no sono, lutando para me manter acordada. Uma loucura. Quando noto, a segunda chegou.

  Às seis da manhã, minha mãe bate na porta, apressada.

—Atrasada pro trabalho, Sol! - ela grita, a voz sumindo pela escada. Eu levanto correndo, irritada comigo mesma, mas ainda sim perturbada.

  Sonhei a noite inteira. Não com passarinhos ou qualquer coisa banal. Mas Azriel. Jogada direto para o túnel do tempo, onde na mesma cama, eu sonhava com ele também, mas dessa vez suas mãos não corriam pelas minhas pernas, e eu não gemia quando sua boca me tocava em certos lugares. Não. Eu sonho com o Az que me deu carona, que pareceu aflito ao me dizer sua razões para estar aqui.

  Não posso ser a única explicação para um homem como ele viajar dimensões só pra dar um oizinho. É isso que me deixa encabulada no caminho pro trabalho, sequer ouço o que Thalia fala, mas acho que terminou o namoro, e não traiu o cara afinal.

  Assisto uma reunião como assistiria um porno, olhos fixos mas mãos ocupadas. Mas as minhas estão só rabiscando na folha de pauta, riscas e riscas sem fim. Até que meu nome é citado e eu levanto a cabeça.

—Sol, você ouviu algo que eu disse? - pergunta Gabriel, parecendo irritado. Ele é o chefe do departamento de vendas. O meu departamento. E odeia pessoas desatentas, e oras, virei especialista nisso.

—Perdão, estou ouvindo agora - sorrio com o maior charme que consigo concentrar no rosto. Isso parece desarma-lo. Dizem no escritório que um sorriso desmonta ele inteiro, deve ser porque é um rabugento e ninguém sequer fala nada com ele.

—Estava te perguntando se poderia me acompanhar numa reunião hoje à tarde. Minha assistente pediu demissão ainda hoje - ele revira os olhos, mas eu não culpo a garota. Gabriel é insuportável quando quer.

Corte de Sombras e MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora