Capítulo 62

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  O silêncio que cai sobre mim depois que as portas se fecham só me faz impulsionar pra frente. Tenho plena noção de que estou respirando como se estivesse  correndo uma maratona, sendo que sequer estou andando rápido.

  É a raiva. Da pura e mais violenta que já senti. Se tivesse algo disponível para pegar, eu pegaria e atiraria na cabeça de Azriel. Por que como ele ousa?

  Como ousa sumir do meu aniversário?

   A brisa morna da noite entra pelas portas do jardim, mas eu estou pouco me lixando para a sensação deliciosa que causam em meus braços, a maneira como meus cabelos se soltam aos poucos dos grampos.

  O que piora tudo é saber que ele não mentiu, porque se tivesse o feito, teria se dobrado de dor na minha frente, xingando todos os deuses. Quando piso no jardim bem cuidado, eu sei que estou certa sobre isso. Seria impossível ele mentir.

  E Meallan é a prova. O Pégaso está ali ainda, mas agora está encolhido no chão, com os olhos fechados, a respiração soltando lufadas molhadas no ar. Suas costas, porém, reluzem em dourado, pronto para levantar e nos levar para o céu se precisarmos.

  Isso me faz parar no meio do caminho, desarmada. E com mais raiva do que estava sentindo.

  O que custava aparecer? Fazer uma boquinha? Talvez dançar comigo, com todos eles ali, beber e rir comigo, me dar a chance de ensiná-lo a cantar o parabéns da forma certa.

  Não queria que isso acontecesse, mas meu coração dói, como se milhões de mãos batessem nele, o amassassem. Quero me jogar na grama e encarar o céu, perguntar qual o problema de tudo não estar tão perfeito.

  Mas antes que eu possa pensar demais na ideia, uma brisa mais morna - e úmida - toca minhas costas, e me viro, segurando o susto na garganta.

  As sombras se soltam dele como um cobertor macio, ou um casulo que o mantém bem protegido. Seu rosto, que sempre me tira o fôlego, porém, agora está tão retorcido que eu paro de respirar.

—Eu sinto muito - a voz de Azriel retumba em minhas costelas e se crava em minha alma. Esta tão quebrada, tão falha, que me vejo dando um passo a frente.

—Por que, Azriel? - minha voz sai alta, e tenho certeza que Meallan acordou. —Estar no mesmo ambiente que eu é tão insuportável que não pode sequer aparecer na minha festa de aniversário?

  Me dói falar isso, porque talvez seja a verdade. Azriel, na minha frente, pisca, os olhos arregalando.

—O que? Não, Sol, pelo caldeirão, não! - ele se aproxima de mim, e logo sua mão toca meu pulso, tão de leve que imagino estar sonhando.

—Então por que não apareceu? - eu aponto para Meallan. —Claramente não mentiu sobre ele, mas pra onde foi depois?

  Meus olhos caem sobre seu terno, e ver os amassados ali me faz dar um passo pra traz, com o estômago revirando.

—Foi a algum bar ou buscar outro tipo de diversão? - minha voz estremece, e odeio isso. Odeio o vinho Feerico no meu sangue, me fazendo abrir o bico.

  Os olhos de Azriel brilham como ouro na noite enquanto ele me encara, a última coisa que eu esperava porém é que um sorriso surja no seu rosto.

—Não fui pra nenhum lugar assim - ele passa as mãos no cabelo, bagunçando  os fios ainda mais do que já estavam. —Eu... Precisava pensar um pouco. Fui pra Casa do Vento.

  Olho para a montanha no horizonte, vendo a varanda iluminada. Volto a olhar para ele.

—Ir a minha festa era tão ruim assim? - sinto lágrimas queimando na garganta, com palavras que quero cuspir para fora, mas não consigo. Azriel da um passo a frente e toca meu rosto, erguendo meu queixo. É tão doce, tão suave... Eu sinto tanta falta disso, desse toque. Sinto tanta falta de tê-lo perto, da sua respiração se misturando a minha.

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