Capítulo 87

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 Sol mal respira nos meus braços quando a coloco na cama. Os lençóis se umedecem abaixo dela no mesmo instante. Todo seu corpo está ensopado, minhas sombras se soltando dela como fiapos de fios, tão trêmulas e fracas que eu quero gritar e tirá-las com minhas próprias mãos. 

  Mas eu não faço isso. Eu aguardo, olhando para Sol e afastando as sombras que tentam invadir suas narinas ou ouvidos. Talvez para saberem se ela está bem, se vai acordar. Mas não posso lidar com isso agora. 

 Eu deveria ter saído daquela sala no instante que notei que Sol não estava mais lá no canto. No instante que minhas sombras pararam de sussurrar em meus ouvidos e simplesmente sumiram dos meus ombros. Se dissolveram tão rápido no ar que eu arfei. O que atraiu o olhar curioso de Rhysand, além de um arquear de sobrancelhas de todos os outros. 

— Estou... com calor - menti, engolindo em seco, me sentindo tão nu como no dia que vim ao mundo. 

 Nunca fiquei tão... sem nada. Tão exposto.

 Elas nunca me abandonaram daquela forma antes. Mesmo que eu ficasse completamente visível, elas ainda estavam ali, espreitando dos meus ombros. Sempre sobravam fiapos para me proteger. Mas naquela hora eu estava completamente sem nada. 

  Acho que foi a primeira vez que Feyre viu minhas coxas, porque não tirava os olhos de lá, assim como Nestha olhava para meus ombros toda hora. Até mesmo vi Cassian espiando minha bunda duas vezes. 

  Foi então que me dei conta de que aquela era a primeira vez que eles me viam também. Me viam por completo. Quis rir e pedir que parassem de me comer com os olhos curiosos, mas então eu senti um tremular no laço. Lá no fundo do coração. Eu parei o que estava fazendo e senti os puxões agoniados de Sol, com tanto medo e pavor que eu simplesmente larguei os papéis em cima da mesa e menti mais uma vez para minha família. 

— Recebi algumas informações de Cerridwen. Já volto - falei, a voz tão segura que eu mesmo acreditei que a espectro teria informações pra mim. Só confiei tanto em mim porque não tinha olhado para Rhysand. Quando o fiz, porém, tudo foi por água abaixo.

 Então tenha bons negócios com sua espectro, Azriel, os olhos estavam estreitos e suas garras tocavam cada neurônio meu. Ele sabia.

 Claro que sabia. 

  Então atravessei seguindo os gritos agoniados de Sol e acabei naquele lugar esquecido que fora destruído durante a guerra com Hybern. Por ser o vilarejo mais perto deles, não se importaram de estraçalhar as vidas ali. O cheiro de queimado e fumaça invadiu minhas narinas no momento que Sol desmaiou. 

  Tudo virou um borrão e o pavor me alcançou completamente. 

  Ela geme agora, se tremendo na cama. Quero engolir seus gemidos e fazê-la acordar, mas não sei como. Minhas sombras saem de seu corpo como água e se afundam no meu, zumbindo e cantarolando animadas. 

— Sol - eu me aproximo dela, tocando sua testa com os lábios. Quente e fria ao mesmo tempo. Como isso é possível?

  A ergo da cama e a levo até o banheiro, abrindo o zíper lateral do traje Illyriano. Sei que ela vai morrer de vergonha disso, mas algo me diz que Sol precisa de água quente no corpo, não lençóis de seda úmidos. Seus cabelos começam a enrolar nas pontas quando a apoio no colo e ligo a torneira da banheira. O banheiro inteiro fica vaporizado e quente. 

  Engolindo em seco e com medo, eu tiro seu traje com cuidado. Sua pele queima a minha, mas eu não paro. Continuo tirando todo seu traje até que Sol esteja somente com roupas íntimas. Sem tirar meu traje, afundo nós dois na água, sentindo a quentura tomar todo meu corpo, fazendo os sifões acenderem a luz, em busca de perigo. 

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