— Você tem certeza? - mordo as unhas conforme ouço a voz de Cerridwen repetindo pela vigésima vez a página que cita um Takaemati.
Uma criatura que poderia ter sido facilmente tirada de pesadelos de criancinhas e adultos maduros e bem resolvidos na vida.
Um demônio comedor, engolidor, sugador, possessor de almas. Todos os adjetivos possíveis cabem em um Takaemati. Porque ele é tudo. O escravizado de algo pior.
— Já li essa passagem diversas vezes nesse intervalo de tempo, Sol. Estamos aqui desde a manhã. Já são seis da tarde.
Me levanto do sofá, pegando o livro das suas mãos. Leio as páginas amareladas mas ainda sim inteiras e sem arranhões.
Não pode ser. Ao mesmo tempo que sei que é ele, não quero que seja.
Encontramos uma ilustração minúscula no canto da página e assim que o vi, depois de ler mais de mil páginas nas pressas, procurando sinais, detalhes, as coisas simplesmente se encaixaram.
Cerridwen quase caiu para trás quando eu falei que havia achado. Então entendi que ela ficou com medo. Porque ter topado com um Takaemati não parece algo que se faça mais de uma vez, ela me disse.
Claro que não comentei sobre eu ter visto um desses levando o coração da curandeira de Rhys. Não conseguiria soltar a verdade para mais uma pessoa além de Azriel.
Mas agora que o tenho em minhas mãos, que sei seu nome, tudo fica mais real e estou começando a me assustar.
Em que momento irei acordar desse coma e chorar aliviada por tudo ter sido um sonho?
Não acho que estou completamente disposta a lutar com demônios para proteger todos que amo. Nunca fiz isso. Nunca precisei pensar em monstros.
O máximo que há em meu mundo são anjos e demônios com chifres vermelhos. Ou espíritos sacanas que ficam pisoteando pela casa de madrugada.
Mas isso? Não acho que uma reza bem feita vai me livrar de um Takaemati.
Cerridwen estala um dedo na minha frente.
— Você precisa descansar. Está olhando para o nada - ela tira o livro das minhas mãos mas eu pego de volta.
— Vou levar comigo - eu falo, sorrindo de leve. — Vou ler mais um pouco.
— Certeza? Porque parece muito que você irá vomitar tudo que não comeu.
Eu balanço a cabeça, a puxando para as escadas.
— Tá tudo bem. Azriel logo vai estar de volta.
— Sim, eu creio. Mas Sol... - ela toca meu braço e eu paro na ponta das escadas. — Você está bem? Mesmo?
Não. Não estou. Não consegue ver que estou lutando uma batalha interna e meu lado racional e completamente humano e simples está perdendo? Não consegue ver que minha esperança de um dia voltar a viver normalmente não acontecerá? Que estou começando a realmente fazer parte desse mundo e não sei se consigo suportar? Que Azriel não está aqui para me abraçar e dizer que tudo vai ficar bem porque está comigo?
Mas como eu não tenho um pacto com ela, eu minto.
— Estou ótima, Cerri. Só cansada.
Ela balança a cabeça, descrente.
— Não me chame assim, pelo amor da Mãe.
Mas eu quase consigo ver um sorrisinho no canto da sua boca quando descemos as longas escadas.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Corte de Sombras e Mundos
RomansaOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...