Capítulo 106

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É manhã. A mesa à minha frente está repleta de de comidas que não quero tocar. Não estou com fome, mas os olhares de Feyre e Nestha em minha direção me fazem dar garfadas em tortas e panquecas, mesmo que pequenas, e engolir cada pedaço sentindo o gosto de cada uma se tornando como cimento.

Não sei onde está Azriel. Ele já deveria ter voltado.

Voltado da conversa com Rhysand e o restante. Voltado da sala onde ele se trancou junto com todos no exato instante que ele abriu as portas da varanda, sujo de sangue e poeira nas mãos cheias de cicatrizes.

Ele apenas me encarou por alguns segundos antes de pedir que Rhysand o seguisse. O restante foi junto pois ficou claro no ar que suas presenças eram requisitadas. Mor me olhou por cima do ombro, o cenho franzido.

Eu não era Daemati, mas sabia onde seus pensamentos estavam: eu tinha medo de Azriel.

Eu quis dizer que não, mas não consegui. Porque naquele pequeno momento, realmente tive medo. Dele nunca mais me olhar nos olhos, de seu medo ser maior que nós dois e todo o resto. Eu sentia saudade de tocar seus lábios com os meus, tocar seu rosto com as mãos, abraçá-lo com os dois braços e o corpo todo. Não fazia nem 48 horas que ele havia saído em missão e eu já estava assim.

Meu peito queima agora, e eu agarro os talheres com força, os abandonando na mesa. Feyre ergue os olhos, como se não estivesse fazendo isso nos últimos 20 minutos desde que sentou aqui com Nestha. Ambas não seguiram o restante, talvez acharam que eu precisava de companhia.

Não, eu não preciso.

Preciso de ar.

Me levanto e lhes dou as costas, algo por baixo da minha pele formigando todo meu ser. É a terceira ou segunda vez que sinto isso, esse impulso de ser burra, fazer algo impensado. Na varanda, eu agarro o guarda-corpo, os nós dos meus dedos ficando brancos.

Tudo isso pra que?

Qual o intuito de começar a enlouquecer agora?

Meus olhos coçam por dentro e eu grunho, puxando um fio de cabelo para longe do rosto.

— Sol? — a voz vem de trás e eu me viro, me deparando com Nestha. Seu rosto está contorcido de preocupação, fazendo minha pele inteira se entorpecer. — Está tudo bem?

Quero balançar a cabeça, gritar que não, que preciso de ajuda. Mas de que ajuda preciso? Eu nego com a cabeça, invés disso.

— Apenas preocupada com Azriel — não deixa de ser verdade. — Ele mal me olhou quando chegou.

— Deve estar se sentindo um trapo — ela responde, encostando ao meu lado. Ficamos em silêncio encarando Velaris abaixo, mal vendo as pessoas por causa da altura.

— Você se sentiu um trapo? — eu pergunto, olhando para ela pelo canto dos olhos, ela franze a testa.

— Em relação ao que?

— Quando... quando... a guerra.

Eu engulo em seco, mirando meus olhos para outro ponto. Meu rosto esquenta de vergonha por perguntar isso a ela. Sei como o assunto é delicado. Nestha me puxa para seu lado, seu braço abraçado a meus ombros.

— Sim, eu me senti um trapo. Foi como se tivessem me deixado sob o sol durante anos. Virei uma... casca vazia e seca.

Olho em seus olhos, esperando o pavor voltar, mas ele não volta, ela apenas olha o longe, respirando fundo.

— Sei que as coisas não estão indo bem, Sol, não precisa fingir pra mim. Mas sei que também não é uma coisa somente pessoal sua. Todos nós estamos nos sentindo um trapo ultimamente.

Corte de Sombras e MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora