Capítulo 85

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  Não me sinto sufocada pelas sombras dessa vez. O que é maravilhoso, porque talvez Rhysand me ouviria gritando no escuro do nada. Assim como Feyre, talvez até minha mãe, Cassian, Amren, Nestha e Mor. 

  Porque todos eles estão sentados em volta de uma enorme mesa retangular com cantos ovais, com tantos papéis jogados em cima dela que mais parece a mesa de uma professora de escola infantil. Eu pisco e pisco pescando os detalhes das letras, mas não consigo ler nada da distância onde estou. Ao menos pareço estar longe. Sei que se mover meu corpo pra frente, vou parar no colo de Amren se quiser. Essa é uma das maiores qualidades de ser sombra pura. Poder ir para qualquer lugar e se mover como água. Ou ar.

  Ainda não decidi.

Mas Azriel me pediu que evitasse me mexer pela sala, porque poderia chamar atenção de algum deles. Instinto de Combate, ele disse pra mim enquanto me carregava antes de pousarmos na frente da Casa do Vento. 

— Eles podem não te ver, mas você emite uma energia que pode atiçar os instintos de todos. Não queremos que isso ocorra. 

— Mesmo se eu fechar as paredes da minha mente? - perguntei, nervosa. Conseguia até sentir meu olho direito dando tique. 

  Azriel assentiu, me colocando no chão enquanto suas mãos acariciavam meus braços até chegar nos ombros. Quando olhei para baixo, notei que não era apenas carícias fora de hora - mas extremamente aceitáveis -, ele tinha feito as sombras engolirem meus braços.

  O desespero bateu em meu coração como uma rocha dura. 

— Az... - eu arfei, enquanto sentia suas mãos descendo minha cintura. — Posso fechar os olhos? Não sei se quero ver meu corpo flutuando sem pernas. 

  Ele riu, os olhos escuros mirados nos meus, enquanto suas mãos paravam em meu quadril. Já conseguia sentir minha pele formigando com sombras agitadas. 

— Pode fechar os olhos se quiser, meu coração. Eu queria que fosse mais rápido como da outra vez, mas não sei quanto tempo ficaremos lá dentro. Preciso que as sombras entendam que devem ficar presas em você até eu mandar.

  Olhei para suas mãos largas e cheias de cicatrizes nos meus quadris. Jamais me senti tão pequena. E safada. 

  Virei o rosto, assentindo, enquanto mordia a boca. Para impedir que qualquer som idiota saísse. 

— Vou ser rápido.

 Eu esperava mesmo! 

  Suas mãos então se firmaram no aperto e desceram por minhas coxas, minha pele formigou como se milhões de agulinhas me pinicassem. Mas a sensação era boa, como se eu finalmente...

  Minhas coxas sumiram, assim como minhas panturrilhas sob seu toque lento e morno. Logo eu era somente uma cabeça flutuando, mas mesmo assim Azriel não riu lembrando de Harry Potter e a capa, sequer vi o tom de humor que eu amava em seus olhos. Eu não era uma piada. Ele sabia disso. 

— Fique distante na sala. Evite contato direto com qualquer um. Exceto comigo.

  Senti os olhos lacrimejando com a sensação forte de arrepios pelos meus membros sumidos em sombras. Consegui assentir de leve antes dos lábios de Azriel tocarem minha testa. 

— Não me esquece aqui, pelo amor de deus - foi a última coisa que falei, sussurrada na noite, antes das mãos de Azriel me tocarem no rosto e eu ver seus lábios formando uma palavra estranha, com um sorriso de lado.

— Jamais.

 Entrar foi fácil, ele me guiava como uma de suas sombras, e tive certeza que em algum momento até o destino, estava em cima de seus ombros como um gato teimoso. O que não foi desagradável, mas certamente é perturbador não saber onde meu corpo está a todo instante. 

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