Capítulo 25

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   As janelas do carro alugado estão abertas. Mas nem isso faz o cheiro do couro novo dos assentos sair do meu nariz. O que piora tudo é a avenida larga, com um rio fedido ao lado, me fazendo respirar em golfadas curtas. Eu odeio esse rio. Odeio essa parte da cidade, assim como minha mãe, que está dirigindo, batucando os dedos no volante, enquanto Paramore toca na rádio.

   Não tem trânsito, as pistas estão livres, mas a cada segundo nesse lugar, eu me encolho mais um pouco. Não é pelo cheiro podre do lado esquerdo, nem as placas tortas pelo vento, ou sequer o vapor que os carros soltam, cheirando a poluição pura. São os outdoors.

   Um a cada esquina, exibindo fotos de construções, casas, empresas, pessoas de biquíni. E cada pele que vejo de relance, eu olho como uma estúpida, um reflexo, procurando a foto de Azriel ali.

   Mas não há nenhuma. E minha mãe decidi não comentar essa minha mania, porque ela claramente reparou. Ela não é burra a ponto de deixar isso passar.

   Há dois dias estamos arrumando malas, e ela ainda lembrou de cada item da lista que fizemos, para não esquecermos nada. Duas dúzias de calcinhas, várias calças, roupas suficientes para nos mudarmos oficialmente para a fazendo onde meus tios moram.

   Quando finalmente acomodamos tudo no carro, ela ainda conseguiu se lembrar que esqueceu a escova de dentes. Sua mente é de ferro, lembrando todos os detalhes. Talvez seja aquela memória fotográfica. Eu adoraria ter puxado isso dela. Porque há cinco minutos me lembrei que esqueci meu fone de ouvido.

   Mas a música está boa na rádio. Gosto da banda. Gosto da maneira como minha mãe cantarola, os cabelos pretos balançando no ar atrás dela. Gosto de tudo nesse carro. Menos o fato que continuo olhando pra fora, buscando por ele, de cueca, exibindo seu corpo pra todos os outros ao meu redor.

   Desde que saí de casa e apertei o cinto, ando prendendo o choro. Sei exatamente o que estou fazendo ao ir para a fazenda no interior. Fugindo. Como se Azriel sequer fosse aparecer.

—Põe o endereço da casa aqui no celular, por favor - pede minha mãe, esticando a mão e tirando o aparelho do suporte. Eu o pego, digitando, piscando, para evitar que lágrimas se embolem nos meus cilios.

   Minha garganta chega a arder. Porque sinto saudade. Uma que está corroendo meu peito como um verme sedento. Não sou Feyre, não sei matar esse tipo de monstro. Então ele continua a me devorar aos poucos.

   O rosto de Azriel, as lágrimas em seus olhos... Tudo isso não passa de uma memória distante em minha mente agora, mas parece que tudo aconteceu ontem. Que ainda estou com ele em sua cama, decidindo que ficaria com ele, mesmo sonolenta.

   Eu iria ficar com ele. Deveria estar explicando as coisas pra minha mãe agora, o por que iria morar no outro canto do universo. Mas não, estou indo para o mais longe da cidade onde o conheci.

  Recoloco o telefone no suporte, com ele apitando comandos inteligentes. Quando me ajeito e volto a olhar pela janela, lá está. O que eu procurava tanto no meio das propagandas.

  Azriel. De costas. Sem asas. Meu peito esquenta, me espetando como um alfinete, afirmando que ainda o amo, que sinto sua falta de forma estarrecedora.

  O choro que prendi durante todos esses dias vem, minhas mãos se contorcendo no colo, enquanto vejo sua foto sumindo pra trás.

  Minha mãe segura minha mão, me olhando com carinho terno.

—Vai ficar tudo bem, filha. Eu prometo.

  Quero confiar em suas palavras. Porque ela já me disse antes, quando estava lutando contra a dor, mas não sei porque, mas um coração machucado dói mais que dores físicas.

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