As duas últimas semanas restantes passaram como uma brisa morna sobre a fazenda. Mal vi o tempo passando por meus olhos. Acho que Gabe tem culpa nisso, já que me puxou para todos os cantos que costumávamos nos divertir na cidade pequena. O mesmo cume alto, onde comíamos as maçãs roubadas, o lago atrás de uma montanha, cuja água é gelada como a morte, mas ainda sim pulamos da maior pedra, lá no alto, gritando, de mãos dadas, até sermos afundadas na água. Saímos rindo e engasgando, com Gabe jogando os braços pra cima.
Talvez o tempo tenha passado rápido porque não pensei tanto em Azriel. Em seus beijos, em seus sorrisos discretos e os genuínos, nas suas mãos em meu corpo, na sua voz rouca e às vezes divertida. Quase não tive tempo de me aborrecer com Gabe, por não me contar sobre Iris, que saía com ela quase todas as noites para um passeio de amigas. Como se eu acreditasse, quando os olhos castanhos dela brilhavam como estrelas.
Eu queria que ela confiasse em mim o suficiente para se abrir, para me contar os detalhes, como se sentia sobre a garota. Mas entendia seu silêncio. Morando numa cidade do interior, onde tudo é tão retrógrado, confessar tudo poderia sair pela culatra. E sua vida ali viraria um inferno. Não que estivesse longe disso, mais cedo naquela noite, estávamos deitadas na grama lá fora, envoltas de uma coberta peluda, para o frio não machucar nossa pele. O cheiro de grama recém cortada envolvia meu nariz, e ao longe, eu ainda conseguia ver as máquinas retirando os últimos milhos do milharal.
—Quando começa a próxima plantação? -me ouvi falando, a voz cortando o vento em forma de rajadas suaves em nosso rosto.
Gabe deu de ombros, olhando para o céu, absorta. Seus olhos não brilhavam tanto quanto nas duas noites passadas, quando Iris apareceu na fazenda e ela me apresentou a garota. Era simpática, sorridente, meiguíssima. Não sei por que, mas não gostei dela. Talvez porque me lembrasse demais de Elain, com os cabelos com cachos nas pontas, os olhos inocentes, o vestidinho florido e as sapatilhas. Talvez uma parte minha ainda sentisse raiva da garota, mas eu apreciava sua honestidade. Invés de Azriel, ela foi sincera. Mesmo que doesse. Mas que verdade não machuca?
—Não quero falar de milhos -resmungou minha prima, me cutucando com o dedo. —Como está seu coraçãozinho?
Ela pegou mania de me perguntar sempre que a semana se encerrava. Dessa vez eu ri.
—Você pode perguntar o quanto quiser, nada mudou.
—Então ainda está com raiva dele?
As estrelas acima de nós brilhavam com mais intensidade do que em minha cidade, mas jamais iguais aquelas que vi em Velaris, pela janela, pelas ruas, por qualquer lugar que eu olhasse. Talvez o fato dessa lembrança me atiçar como um fogueira, eu a olho e sou sincera pela primeira vez desde que ela ficou me perguntando:
—Não, não estou. Talvez saudade.
Ela bufou uma risada fria e sem humor.
—Eu teria raiva ainda.
—Por quê? -eu questionei, encostando a cabeça em seu ombro. —Às vezes a raiva só te faz ver por um ângulo errado.
—Pelo ângulo que ele traiu sua confiança? -ela se sentou, irritada. Eu me senti franzindo a testa. Por que estava tão brava? —Ou pelo ângulo de que te abandonou quando precisava?
Eu piquei, chocada. Azriel não me abandonou, e foi isso que me fez a olhar com outros olhos. Porque Gabe não estava me atacando, estava confessando seus próprios problemas. Por isso segurei sua mão nas minhas, sentindo um fantasma de raiva subindo por meu corpo.
—O que está acontecendo, Gabe? -perguntei, insegura até da minha respiração. O clima de paz sob aquele céu estrelado se foi quando ela me olhou, os olhos úmidos, as lágrimas caindo.
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Corte de Sombras e Mundos
Любовные романыOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...