É madrugada quando acordo de repente. Sinto frio em minhas asas e puxo as cobertas para me cobrir, e só então noto que Sol não está do meu lado deitada. Isso faz meus sentidos ficarem alertas. Nos últimos cinco dias, ela tem estado estranha.
Os olhares por sobre o ombro foram as primeiras coisas que notei. A todo instante, em qualquer quarto onde minha parceira entrava, seu olhar voava por sobre o ombro, como se procurasse algo, os olhos aflitos, sem brilho.
Sei que não podemos mentir um para o outro, mas quando a questionei sobre o que estava acontecendo, senti que o que ela disse não era de todo verdade. Tentei não insistir no assunto, com medo de deixá-la mais tensa do que já estava. Desde o momento em que ela teve aquele episódio onde sombras saiam dela como água, ela não parecia mais a mesma.
Tremo ao lembrar da visão que tive dela naquela cama, gritando, arranhando qualquer superfície, gritando para parar. E então ficou em silêncio, se revirando na cama, como se fosse assombrada agora somente na mente. Eu tentei me afundar em seus pensamentos aquele dia, mas era tão intransponível, tão longe, tão potente. Meu mísero poder não teve efeito em seu corpo.
Falhei com ela como amigo e parceiro naquele dia. Não deveria ter deixado-a sozinha com Helion, mesmo que não desconfiasse de suas intenções. Ele parecia normal, bem, o mesmo de sempre. E de repente já cravava a faca nela.
Seus gritos... Não consigo esquecer seus gritos.
Entendo porque ela anda distante, fria, estressada. A sensacao de ser traida por um amigo é assim. Dói, machuca fundo. Mas temo que não seja só isso. Minhas sombras, agora, estão tremulando sobre meus ombros, girando descompassadas, nervosas.
Eu me levanto, todas as luzes apagadas, as janelas com as cortinas fechadas. De repente Sol preferiu não ter mais a visão de Velaris à noite.
Há 5 dias não a vejo dar um sorriso. Vejo somente seus olhos perdidos na imensidão do vazio, muitas das vezes encarando a noite escura através da varanda da Casa do Vento.
Minha sombras se agitam, descolando dos meus ombros, flutuando à minha frente, me guiando para o banheiro. A porta semi aberta me prova que lá dentro também está escuro, mas reconheço a sombra da sua silhueta no chão.
Quando abro a porta, porém, a visão me faz arrepiar. Minhas sombras sussurram ao redor do meu corpo, me escondendo. Eu as afasto, dando um passo a frente.
Sol está parada em frente ao espelho no chão, completamente nua, a luz do luar entrando parcamente através das cortinas fechadas.
Seus olhos não desviam da própria imagem refletida no espelho. O rosto pálido, com olheiras profundas, os olhos quase como se não tivessem mais vida.
Então ela me ve se aproximando, e tudo que eu gostaria de fazer seria tirar a expressão de tristeza que aparece em seu olhar.
— Como você pode me amar, Azriel? — a pergunta é tão sincera que sinto como se fosse um soco em meu peito. Eu a abraço por trás, incerto do que devo fazer. Nunca a vi assim. Tão... — Às vezes sonho que estou caindo na escuridão — Sol fala, a voz tão suave que mal passa de um sussurro. A encaro pelo espelho e ela ri sem humor. — Às vezes sonho que mãos infinitas me puxam para longe de você.
Ela se vira, abraçando minha cintura.
— Por favor, faça esses pesadelos pararem. Estou... Estou ficando louca, Azriel? — ela pergunta, lágrimas brotando de seus olhos.
Eu balanço a cabeça, agarrando seu corpo em um abraço. Suas queimaduras totalmente expostas estão retorcidas e pálidas, mais do que o normal, como se tivessem mudado sua forma desde a última vez que as vi. Como se algo estivesse se movendo abaixo delas.
![](https://img.wattpad.com/cover/274862484-288-k210.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Corte de Sombras e Mundos
RomanceOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...