Capítulo 45

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  Madja me leva até a saída da sua casa. Não sei se conseguiria me levantar da poltrona se ela não tivesse me ajudado, e continuado a segurar minha mão até que estávamos do lado de fora.

  Ouço um suspiro cansado de dentro da casa, e um cheiro esquisito, tão misturado que fico confusa. Talvez o próximo paciente.

—Quanto ficou tudo? - eu pergunto, virando contra o sol, encarando a fêmea lindíssima.

  Madja apenas balança a cabeça.

—Eu coloco na conta do Grão Senhor, não se preocupe.

  É exatamente isso que me preocupa. Mas eu apenas concordo com a cabeça, porque não sei se minha voz sairá inteira.

  Quando Madja fecha a porta e Velaris cresce às minhas costas, sinto o ar ficando ralo,  tenho quase certeza que estou tendo um ataque. Me viro, encarando a cidade funcionando a todo vapor, como se a Queda das estrelas não tivessem ocorrido na noite retrasada. Ainda consigo ver manchas das estrelas caídas no chão. Há duas fêmeas feéricas se divertindo enquanto lavam a calçada com baldes de água cristalinas.

  Há feéricos com peles que jamais imaginei. Parecem árvores andando, ou até mesmo lagartos em tamanho humano. Se isso me apavorasse, eu estaria bem. Tudo ficaria bem, eu me acostumaria com a vista.

  Mas agora sei que sou uma deles. Sem um corpo esbelto de Grão Feérico, os olhos intensos, os poderes ilimitados... Mas eu continuo estando aonde pertenço. Estarei em minha casa em qualquer lugar. Em Prythian ou minha Terra. Estou em casa nos dois lugares, porque sou os dois. Mortal e imortal. Poderosa e fraca. Mágica e inútil ao mesmo tempo.

  Começo a andar em direção a qualquer lugar, observando a cidade brilhando sob o sol que começa a derreter a neve sob nossos pés. Nunca vi neve, e da pra saber o tamanho do meu choque, já que mal estou dando bola pras marcas que meus pés fazem.

  Eu só consigo andar. Andar. Andar. Andar.

  Quero ir para o mais longe possível e soltar um grito que exploda os ouvidos de qualquer pássaro distraído. Quero gritar. Há anos é tudo que quero fazer. Mas nunca tive a chance. E agora, mais uma vez eu engulo o grito e ando com os passos firmes.

  Só paro quando me deparo com o Rio Sidra. Brilhando azul, a luz refletindo arco íris na superfície.

  Me apoio ali, e fico olhando a água fluindo para o mar. Seria tão fácil se as coisas fossem assim na minha vida. Tudo indo numa direção, sem impecilios, sem mentiras, problemas, segredos, medos.

  Queria ter Gabe aqui. Até meus irmãos seriam boas companhias agora, mesmo que eles ficassem piscando pra lá e pra cá, confusos com esse lugar sendo real. Eu só queria ter uma companhia que me ouvisse enquanto eu explico o porque isso tudo é complicado de entender sozinha.

  Minha mãe não vai entender. E tampouco quero encher seu saco levando meus problemas pra ela. Depois de anos longe de casa, ela merece uma folga de discussões.

  Mas quem está longe de casa agora sou eu. E só piora tudo saber que essa casa não é uma construção.

   Sou tirada do devaneio com um vibrar no bolso. Um vibrar mesmo!

  Eu pulo, soltando um grito assustado, enquanto meu bolso continua vibrando. Enfio a mão e tiro meu telefone, com a tela acesa e piscando.

  Franzo a testa, tinha esquecido totalmente que o estava carregando. A tela de bloqueio aparece, e eu digito minha senha, preocupada do coitado estar entrando em colapso como eu.

  Obviamente, o sinal está zerado, assim como a Internet. Sequer me dei o trabalho de trazer um cabo de carregador. Duvido que há tomadas em Velaris.

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