Quando Azriel se deita ao meu lado, ainda estou pensando sobre o que passa dentro do meu coração. Ainda estou pensando em como um sentimento pode perdurar durante tanto tempo dentro do meu peito e parecer que nunca se foi.
—Quer começar por alguma poesia específica? - Azriel pergunta, ajeitando a coberta no colo. Pelo menos ele teve a decência de vestir uma camiseta. Mesmo que seja toda rasgada e ridícula. Isso até ajuda.
—Acho que não faz diferença - digo, folheando o livro pela primeira vez. As páginas tocam meus dedos com suavidade. Amo a sensação. É como se eu estivesse me teletransportando para o passado, lendo e lendo. —Até porque só vou ler duas palavras, certo?
—Não sei - ele da de ombros, sorrindo como um garoto. —Se as duas primeiras palavras forem interessantes, talvez queira ler o restante pra saber como termina.
Eu rio da sua audácia.—Sinto que está tentando me fazer ler o livro todo pra você.
—Culpado - ele encolhe os ombros, pegando o livro das minhas mãos. —Então vamos fazer assim, vou escolher um e você lê, o que acha?
Essa opção é boa. Eu sorrio, assentindo. Azriel se ajeita na cama e sorri de volta, abrindo o livro com cuidado. Ele abre na página perto do meio e resmunga um pouco antes de folhear mais. Parece uma eternidade até ele finalmente me dar o livro com um sorriso lindo.
—Esse é perfeito.
Eu estreito os olhos pra ele enquanto o pego. Olho para a página, temendo que me tornei analfabeta de novo, depois de tanto tempo sem ler um livro. Mas não consigo ler exatamente o que está escrito nas páginas.
Eu engulo em seco antes de me recostar na cabeceira e ajeitar o livro nas mãos. Duas palavras. Não deve ser difícil. Não deveria ser. Não. Deve.
Eu pisco contra as lágrimas que teimam em embaçar minha vista. É como tentar enxergar por trás de vitrais de igrejas.
—Você consegue - a voz de Azriel corta a angústia que começa subir minha garganta e me viro pra ele, sem me importar de que estou chorando por algo que deveria ser tão simples quanto respirar.
—É só... meio difícil.
Eu espero que sua feição se torne preocupada, que ele peça que eu pare se não estiver bem. Mas ele apenas me encara e quando acho que vai me pedir pra dormir porque estou cansada, ele sorri, tocando minha bochecha com tanta leveza que parece imaginação.
—Duas palavras.
Há algo que me prende em seus olhos, em todo seus movimentos. Duas palavras. Isso desce por minha mente como uma corrente elétrica, e eu arfo quando volto a encarar o livro de poesia bem na página que ele abriu. Azriel passa a acariciar meu ombro nu. Respiro fundo. Ele se aproxima. Eu umedeço os lábios. Azriel sussurra em minha mente:
Você consegue. Duas palavras.
—A-animais selvagens - minha voz treme quando meus olhos focam nas letras que formam palavras que se formam em minha língua falando.
Eu pisco surpresa. Eu consegui!
Ergo o rosto e sei que há um sorriso imenso se abrindo em meu rosto, mas não me importo de parecer patéticamente feliz agora. Eu consegui. Eu li!
—Eu li - eu repito meus pensamentos em voz alta para Azriel, que está colado em mim, a mão descendo e subindo meu braço.
O sorriso que corta seu rosto ao meio é muito maior que o meu.
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Corte de Sombras e Mundos
RomanceOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...