A noite está fria. Ao menos eu acho que deve estar, porque não consigo sentir nada debaixo desse traje e da capa escura que Azriel me pediu pra vestir por cima.
Pelo cheiro do tecido que invade cada pedaço dos meus nervos, sei que é dele. Azriel não parece se importar em andar ao meu lado pelas ruelas da cidade da Diurna, que ironicamente está no breu agora. Apenas os lampiões nas ruas, que mais parecem esferas de luz brilham nos postes.
Faz meia hora que saímos do palácio. Azriel insistiu que não saíssemos voando, porque alguns soldados de guarda poderiam pensar o pior. Nada deveria voar uma hora dessas, imagino eu, pra ficarem tão atentos aos céus. Mas eu desconfio que ele queria que eu conhecesse a cidade. Mesmo escuro e praticamente vazia, ainda sim conheço cara pedaço com admiração.
Então Azriel e eu andamos pela cidade. Mesmo por baixo do capuz sobre a cabeça eu consigo admirar as fachadas das lojas e casas. É quase uma cidade do interior, as casas claras e simples, mas lá dentro eu consigo sentir o cheiro de magia antiga. É delicioso. As praças arejadas lotadas de árvores e arbustos. Uma até mesmo tem um poço dos desejos. Mas eu acho que Azriel não curtiria muito a ideia de eu gastar moedas que sequer tenho num poço com musgo que deve estar ali desde que a avó de Helion nasceu.
E sendo sincera? É bom andar ao lado dele. Sua mão segura a minha por baixo da capa. Seu dedão não para de acariciar meus dedos, como se para se certificar de que sou real.
Eu sou, quero dizer a ele. Sou real. Sou tão real quanto esse mundo. Como pude pensar algum dia, em toda minha existência, que esse lugar não existia? Como pude ter uma mente tão pequena?
—Espera - Azriel para, me segurando. Como uma bala, ele nos atravessa para um beco escuro do outro lado da rua. Meu estômago gira várias vezes até eu me acostumar com a sensação. —Tudo bem? - pergunta ele, tirando meu capuz. Consigo assentir.
—Só preciso me acostumar - respondo, respirando fundo. —Você tem séculos de prática, eu não tenho nada.
Ele sorri como uma carícia e volta a colocar o capuz sobre meus cabelos.
—Quem é? -pergunto.
—Criados do palácio voltando da taverna. É melhor eles não saberem que não estamos lá.
Eu assinto, mesmo sabendo que ele não está me olhando. Mas suas sombras tocam meu rosto, quase dizendo mas nós vimos, querida.
As risadas das pessoas chega até nós e Azriel enlaça minha cintura.
—Vai se sentir estranha, mas passa rápido.
—O que? - mal tenho tempo de falar antes de sentir minhas mãos gelando. Minhas pernas congelam no lugar, a sensação subindo agonizante por todo meu corpo.
Agarro Azriel com força, arregalando os olhos pra ele. Mas ele já sumiu. E quando a sensação congelante e mortal sobe a minha garganta, eu grito.
Mas não há som. Não há nada. Tento tocar o ar onde Azriel estava mas eu grito mais ao notar que não tenho mãos. Não sou nada. Sou...
Tá tudo bem, Sol. Eu estou aqui.
Aonde? Azriel, onde você está? Não consigo te tocar.
Não consigo ouvir minha voz em minha cabeça.
Estamos dissolvidos em sombras, eu estou segurando sua mão mesmo que não sinta. Estou com você.
Não sinto nada. Mas a voz de Azriel em minha mente me acalma.
Elas fazem tudo desaparecer?, pergunto. Pelo menos sei que minha mente ainda existe. Pelo menos.
As sombras parecem umedecer meu corpo inteiro, mas é quente e confortável. Meus ombros relaxam um pouco quando algumas roçam meus ombros.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Corte de Sombras e Mundos
Любовные романыOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...