Capítulo 10

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   Demoro pra pegar no sono. Porque há uma lista de fatores que colaboram pra isso. O primeiro é que me dou conta que estou na cama de Azriel, porque o cheiro dele está em tudo. Desde os travesseiros macios até os lençóis de baixo. Pra piorar, o frasco do seu perfume está na mesa de cabeceira do meu lado, e provavelmente tem um fantasma espirrando ele no ar, não é possível. 

  Mas quando finalmente vou caindo no inconsciente, ouço um grito estrangulado. Volto para a realidade na mesma hora, sentando na cama, a mão no peito. Será que eu gritei? Há meses não grito mais desse jeito quando estou dormindo. 

  Talvez imaginei, talvez seja algum vizinho transando, coisa que não duvido. 

  Mas o grito volta, dessa vez mais dolorido, como se a pessoa estivesse prendendo ele com os dentes. E me dou conta, com os olhos arregalando-se, que o grito vem do outro lado do corredor. Eu salto da cama tropeçando e quase caio até alcançar a porta, girar a maçaneta e quase arrombar a porta da frente ao meu quarto. 

    A visão me deixa trêmula e fraca. 

   Azriel está de olhos fechados, se retorcendo na cama, segurando suas mãos, enquanto tenta agarrar algo atrás de suas costas. Outro grito estrangulado sai de sua garganta e eu me movo, tentando entender. Dizem que não se pode acordar alguém no meio de um pesadelo. Ou seria de um caso de sonambulismo? Não sei como tocá-lo, tenho medo de assustar, piorar seu estado. 

  E quando Azriel toca novamente aquele ponto atrás de suas costas, eu sento na cama, pensando em como agir. Suas mãos se retorcem mais, e ele grita com força, e que se dane as medidas certas a serem tomadas, eu toco seu rosto, a outra mão agarrando as suas cicatrizadas. 

—Az. 

  Ele continua se revirando na cama, balançando o colchão. 

—Azriel -eu falo mais alto, segurando seu rosto com ambas as mãos. Acaricio sua bochecha, esperando que isso ajude de alguma forma. —Az, por favor, acorda.

  Eu continuo passando os dedos por seu rosto, sua têmpora, embrenhando nos cabelos, sussurrando para que acorde, minha própria voz apenas um fantasma distante. Mal me reconheço agora, porque só consigo olhar pra ele, o rosto torcido em fúria e dor. 

—Az, tá tudo bem, acorde -um soluço descontrolado sai da minha garganta no momento que ele abre os olhos, arregalados, olhando ao redor. Sua pele está suada e fria, e eu quero abraçá-lo e jamais soltá-lo, mas não o faço. Continuo acariciando seu rosto. 

  Então ele me nota ali, e engole em seco. 

—Sol -ele segura minha mão. —V-você... O que está fazendo aqui? 

  Sinto a garganta arder quando respondo. 

—Você teve um pesadelo -consigo articular as palavras. Ele pisca pra mim, e então parece se lembrar, o rosto ficando amargurado. —Me diga se está bem, por favor. 

  Azriel levanta o rosto para o meu e assente. 

—Eu...-pigarreia, completamente desconcertado. —Não queria te acordar. 

—Isso não importa, Az -digo e sou sincera em cada palavra. —Quer falar sobre? Às vezes ajuda -me ajeito na cama, soltando seu rosto, mas ele não me deixa ir longe, seus dedos prendem os meus. 

  Ele balança a cabeça, negando. 

—Eu não me lembro direito -mas ele mente. Eu sei disso, está no franzir de sua testa, no repuxar do lábio. Mas não insisto, concordo com a cabeça, porém, sorrindo de leve. 

—Vou pegar uma água pra você -me levanto da cama, soltando sua mão de leve. —Já volto, prometo. 

  Ele engole em seco de novo e se senta na cama, e antes de eu sair, me viro e a imagem me assusta. Azriel parece uma criança perdida em pensamentos, e não preciso de detalhes do pesadelo, porque consigo imaginar muito bem o que aconteceu. 

Corte de Sombras e MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora