Capítulo 8

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A careta da Cherly seria considerada um meme universal enquanto cuidava do meu machucado. Após passar uma pomada que ardeu como pimenta, ela enfaixou o corte profundo na palma da minha mão ao mesmo tempo que me enchia de perguntas, como de costume, sobre o que havia acontecido. A verdade é que ainda estava em choque e contar sobre o suposto salvamento do duque estava fora de cogitação. Afinal, ele é o vilão e vilões não salvam ninguém. Eu só queria saber que diabos de dívida foi essa.

— Ainda bem que o príncipe chegou à tempo. Eu não entendo muito dessas coisas, mas tenho quase certeza que perderia muito sangue.

— Sim. Graças ao Christian, estou viva.

Ela sorriu de canto quando eu o chamei, sem querer, pelo nome. Porém, desta vez, guardou qualquer comentário para si.

— Vai ficar uma cicatriz feia.

Institivamente, abaixo o olhar em direção à palma da mão machucada e suspiro com pesar. Eu odiaria ter uma cicatriz violando o meu corpo, marcando minha pele de maneira tão grotesca. Era agonizante saber que nada do que eu fizesse iria tirar a possível marca nessa região. E, por um momento, pensei em como o duque se sentia. Se eu estou assim por causa de um único corte na mão, como ele se sentia por ter suas costas e mãos destruídas por várias cicatrizes?

Talvez essa tenha sido a primeira vez que realmente senti empatia por alguém. Não para fingir ser uma pessoa sociável ou agradável, mas porque realmente a situação era penosa.

Na obra, eu não explorei muito as cicatrizes de Lorcan porque as tratei, inicialmente, como um mero acessório em sua aparência. Contudo, conforme ia desenvolvendo a personalidade desse homem cruel, percebi como boa parte de suas ações girava entorno do trauma decorrente das marcas em seu corpo.

— Pelo visto, haverá um tratado de paz entre o príncipe e o duque de Icarus. — comenta Cherly afastando-me dos meus pensamentos. — Eu ouvi boatos de que ele não será convidado para o baile de primavera.

Por um momento, esqueci que o reino de Velorum fazia um baile no palácio a cada estação. Era uma tradição simples, mas muito significativa. O povo acreditava que era necessário celebrar nesses intervalos, como uma forma de reencontrar ou confrontar o eu da estação anterior.

— Não vai fazer muita diferença, o duque não parece o tipo de pessoa que gosta de dançar.

Ela ri e balança a cabeça em concordância.

— Ele sempre esteve presente nos outros bailes, mas nunca o vi dançar com alguém. E quem iria dançar com aquele homem? A presença dele é desagradável e me dá arrepios.

Eu queria rir do seu comentário, mas não consegui porque aquele homem havia matado três pessoas para me salvar. Seja lá qual foi o motivo, ele havia feito isso mesmo sendo contra os seus valores.

Apesar da mão machucada, eu precisei fazer as minhas tarefas normalmente e, como bônus, tornei-me o assunto mais falado do castelo. Os olhares penosos e curiosos estavam em minha direção. Todos comentavam da empregada desastrada que quase foi morta pelo cruel duque de Icarus. Em partes, eles estavam certos já que por muito pouco não conheci a profundidade da adaga de Lorcan. Mas o fato de ter sido salva por ele continuou sendo um segredo. Particularmente, eu duvido muito que acreditariam em minhas palavras se eu contasse que o homem mais cruel e temido do reino havia salvado uma simples serviçal. Então, o melhor a se fazer era permanecer em silêncio e continuar com minha vida medíocre em Velorum, sem chamar a atenção de ninguém.

Esse era o plano até o príncipe aparecer na porta do meu quarto no meio da madrugada.

— Está tudo bem, alteza? — questiono preocupada, ajeitando o fino manto em meus ombros. — Precisa de algo?

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