Capítulo 71

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Acordo em um sobressalto, puxando o ar com força. O meu corpo estava dolorido, principalmente o pescoço, por ter adormecido em cima de uma pilha de papéis. Além de que a mesinha foi uma péssima escolha para um cochilo.

Então, sou invadida por uma onda de memórias da minha vida em Velorum; onde eu era Diane, a empregada que ascendeu como rainha e se apaixonou por...

— Não... Não pode ser...

Céus. Um desespero tomou conta do meu interior, pensando que tudo o que vivi — e com quem vivi — não ter passado de um mero sonho. Porém, encaro a palma da minha mão onde havia uma cicatriz. A cicatriz que fiz ao segurar a adaga do Lorcan, lutando para viver, naquela reunião com o Christian. E tenho a confirmação de que tudo foi real.

Os meus sentimentos. As minhas memórias. A minha alma gêmea. Tudo real.

As lágrimas rolam livremente pelo meu rosto enquanto tento conter um soluço. Trago a mão com a cicatriz até o peito, encolhendo-me na cadeira. A visão está embaçada mas consigo ver os rascunhos da minha obra, onde estou narrando a primeira vez em que o vilão apareceu.

Vilão. Que palavra ridícula para definir o homem mais incrível e bondoso que já conheci. E o homem que sacrifiquei tudo para vir salvá-lo.

Por isso, não desperdiço um segundo sequer em reescrever Velorum. Conforme revivia tudo na obra, sentia as lágrimas arderem mais do que antes, como brasas dançando em minha pele.

Perdi a noção do tempo escrevendo a história de Velorum. Não, escrevendo a minha história de amor com Lorcan.

Ao terminar, o Sol já estava se despedindo de Londres exibindo um tom alaranjado, mas tão mórbido. Na verdade, tudo parecia sem cor longe da minha alma gêmea. E me perguntei como o Lorcan estava e se a sua recuperação havia sido vitoriosa, como escrevi minutos atrás.

— Está aí, Natasha? — escuto uma voz irritantemente familiar.

Respiro fundo e guardo todas as páginas do livro. Amanhã irei na editora para entregar essa versão e, sinceramente, pouco importa se será aceita ou não. Estou satisfeita com meu trabalho e é tudo o que importa para mim.

Quando abro a porta, Bryan sorria de forma costumeira mostrando suas covinhas enquanto os cachos balançavam suavemente.

— Liguei para você o dia todo. Esteve ocupada, meu amor?

Sinto embrulhos no estômago com essa palavra. Bryan não é digno de usá-la, a única pessoa digna está longe demais... Tão inalcançável.

— Saia daqui, Bryan. Ou melhor, saia da minha vida.

Ele pisca os olhos, confuso.

— É algum tipo de brincadeira, Nat?

— Não. Eu só estou cansada de ter um babaca como você em minha vida. Mereço coisa melhor, muito melhor mesmo.

A sua feição muda para algo sério, depois para raivosa. Vejo os olhos pretos fervendo quando dá um passo em minha direção, mas continuo com a cabeça erguida. Já vi olhares muito mais mortais do que esse e, por sinal, me casei com o dono desse olhar. E nada, nem ninguém é capaz de intimidar uma guerreira de Icarus.

— Você nunca vai encontrar alguém como eu, Natasha! Sabe disso?

— Sim, e não faz ideia de como me sinto aliviada.

— Eu fiz tudo por você e é assim que me retribui? Com tamanha ingratidão?

Abro um sorriso arrogante.

— Não estou retribuindo nada, pois nunca houve o quê retribuir. E não tenho que me explicar para ninguém. A minha vontade é a decisão final.

Céus, continuo agindo como rainha de Velorum.

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