Capítulo 31

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Os treinos em dupla levavam meu corpo ao limite. Todas as tardes, duas duplas diferentes eram formadas para um pequeno combate entre os soldados. O problema é que meu conhecimento de golpes era escasso, então apanhava em cada batalha. Os guerreiros possuíam um fervor em seus olhos que os faziam lutar como demônios. Nem mesmo Tanandra pegou leve comigo.

A cada dia, a minha resistência física melhorava. O meu corpo já não estava tão magro assim e os músculos das pernas e braços começaram a se destacar. Como o cabelo havia crescido e ainda não tive tempo de cortá-lo, passava maior parte do tempo com ele amarrado durante o treino.

Njal pareceu notar a minha existência no final da segunda semana, pois treinava em particular comigo quase todas as noites. E confesso que preferia mil treinamentos com Lorcan do que com esse cara.

— Por favor, preciso de um tempo. — respondo ofegante colocando-me de pé com dificuldade.

— Na batalha, não possuímos tempo. Isso é um privilégio para os arrogantes em seus tronos. — comenta Njal cruzando os braços e me encarando de maneira séria. A áurea dele era intimidadora como um touro pronto para avançar. — Nós, guerreiros, só possuímos nossos punhos e nossas armas.

Não me considerava uma guerreira. Não ainda. Mas questionar um dos maiores soldados de Icarus estava fora de cogitação.

Então, ergui meu corpo e adotei uma postura de batalha apoiando ambas as mãos fechadas perto das têmporas. Ouço a risada rouca de Njal que mais parecia um grunhido de um animal, antes de correr em minha direção. O seu punho, apesar de ser enorme, se movimentava como uma pena. Ele tentou um soco que, agilmente, joguei o corpo para baixo desviando. Infelizmente, o grandão mal deu tempo para que eu recuperasse a postura, pois lançou outro soco uma fração de segundos depois. E talvez fosse a sorte ou os resultados do treino, mas lancei o corpo para trás desviando com certa maestria do seu golpe.

Njal soltou grunhido de aprovação e começou a pegar mais pesado em seus movimentos. Não demorou muito para que eu estivesse no chão, dolorida e suja de terra. Quando viu que não conseguiria me erguer, comenta:

— Não entendo o Lorcan.

Pisco os olhos atordoada, continuando em silêncio.

— Ele a acolhe aqui. Uma pessoa fraca e sem motivação.

Sento na grama, assentindo com a cabeça.

— Lorcan disse que viu algo em mim. Uma determinação para lutar pela vida quando ele tentou me matar e eu segurei sua adaga...

A expressão de Njal muda. Ele não parecia mais um rocha sem sentimentos, havia certa surpresa ali.

— Você afastou a adaga?

— Eu tentei mas ele é mais forte. Ainda assim, continuei agarrada à lâmina com toda a minha força. — comento desviando o olhar para a palma da mão, visualizando a cicatriz profunda. — Como ele consegue...?

As sobrancelhas grossas do homem quase se unem em sinal de confusão.

— O que?

Espero que ele me ajude a levantar, mas o maldito não faz menção de mover um músculo sequer. Resmungo enquanto ergo o meu corpo, sentindo a dor latente por cada parte dele.

— Lidar com as cicatrizes. Eu não conseguiria me amar com todas aquelas marcas.

O olhar de Njal recai sobre o solo arenoso por longos segundos. É a primeira vez que o vejo expressar algo além da máscara de rigidez.

— Lorcan é um guerreiro. Ele foi treinado para lidar com qualquer tipo de machucado. E como guerreiro, não tem o privilégio de escolher seguir em frente ou desistir. Não podemos olhar para trás e ficar presos para sempre no passado. O único caminho é adiante.

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