Capítulo 42

295 33 265
                                    

Quando abri os olhos, as lágrimas já rolavam por minha face. Não havia uma palavra sequer que pudesse ser dita, não quando minha mente estava focada nas lembranças do passado do vilão. Inicialmente, a única reação foi chorar até soluçar e colocar toda essa angustia para fora do peito. Circe demonstrou compreensão, pois não ousou fazer nenhuma pergunta. Ela apenas entregou um copo com água enquanto recuperava o fôlego.

O silêncio se instaurou por longos minutos. O som das chamas crepitando ecoava pelo cômodo.

A xamã tomou o seu lugar de costume na poltrona, repousando as mãos enrugadas sobre o colo. O meu olhar mudou de foco, deixando de lado a lareira para se concentrar em Circe à minha frente. A sua curiosidade era quase palpável através do olhar.

— Céus... Como ele aguentou tudo isso sozinho? — a minha voz sai arrastada pelo choro. — Foi muito sofrimento e humilhação.

— Algumas pessoas não têm a opção de escolher. Elas precisam suportar toda a dor sozinhas.

Funguei baixinho enquanto mais lágrimas escorriam por meu rosto. Dei um gole considerável na água, respirando fundo.

Havia criado Lorcan e o seu passado trágico para justificar seu objetivo e seus atos cruéis, mas descobri que não era apenas isso. O fato de não haver espelhos no quarto era por causa do rótulo de "aberração" que recebeu desde criança e a humilhação sofrida por carregar inúmeros machucados pelo corpo. Ele odiava ser tocado porque todos os toques que teve em sua vida foram seguidos de cicatrizes profundas. O seu ódio pelo rei é por ele ter concordado e incentivado o antigo duque a torturar o próprio filho. A inveja fundada em Christian era porque foi "treinado" para ser igual ao príncipe, mas sempre era comparado de uma maneira pejorativa. E o imenso sentimento de rejeição surgiu ao ser chamado de monstro.

Sequei as lágrimas com as costas da mão, terminando de beber a água. O meu olhar voltou-se para a janela aberta da pequena sala, onde pude ver as folhas alaranjadas das árvores.

— Eu o chamei de monstro, como todos os outros. É essa palavra que o assombra desde que era uma criança e eu... Acabei o magoando.

Circe ajeitava-se na poltrona, aconchegando suas costas sobre o estofado rústico.

— Por que acha que o magoou? Ele já deveria estar acostumado a ser chamado assim.

Ao relembrar da cena e o olhar quebrado daquele homem, o meu peito dói de maneira inexplicável.

— Ele achava que eu era diferente. Pode parecer presunçoso da minha parte, Circe, mas parece que Lorcan gostava da minha presença.

A xamã assentia com a cabeça em sinal de compreensão. O silêncio retorna ao ambiente até que decido me levantar, ajeitando a roupa e secando os resquícios das lágrimas. Antes de poder comentar algo, ela pergunta:

— Você o aceita como ele é?

Não escondo a confusão em meu semblante.

— Como assim?

— É um bom avanço você compreendê-lo, mas isso não quer dizer que o aceita. Se Lorcan continuar agindo como o "vilão", você ainda estará ao seu lado?

A pergunta de Circe deixa-me sem resposta. E pelo seu breve sorriso, entendo que esse era o objetivo. A xamã se despede com um aceno antes de voltar a atenção para a lareira. Então, subo em Polar e a guio em direção à Icarus enquanto as palavras da mulher ecoam em minha mente.

Quando retornei ao ducado, deixei Polar no estábulo a agradecendo com uma maçã e um afago. A égua roçou o focinho comprido na palma da minha mão e sorri em resposta. Em seguida, dirigi-me para o interior do castelo indo direto para o quarto onde tomei um bom banho e troquei de roupa. O longo vestido verde e as sapatilhas pretas eram adequadas para um dia inteiro de descanso, isso se Lorcan não me obrigasse a treinar por toda a tarde.

VelorumOnde histórias criam vida. Descubra agora