Capítulo 29

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A risada maldosa dos guardas ecoava em minha mente, junto com as ofensas dos serviçais. A expressão de repulsa da governanta estava enraizada em cada pensamento meu. É como se fosse impossível fugir desse rótulo dado à mim: vadia do rei. Queria relutar contra toda essa injustiça, provar que possuía valor e merecia respeito. Porém, minha vida se resumiu a abaixar a cabeça e aceitar qualquer tipo de comentário, pois não tinha coragem o suficiente para encará-los. Sempre encolhendo os ombros e aceitando tudo calada.

Presa em um ciclo interminável...

Acordo com um sobressalto, ofegante e suada. A impressão de ainda estar naquela cela gélida e fedida me causa náuseas. Apenas quando analiso o ambiente ao redor que permito recuperar parte do fôlego, inspirando com profundidade. Reconhecia o vasto tapete preto com as panteras bordadas em uma tonalidade dourada. A lareira estava acessa apesar das chamas insignificantes, talvez por causa da janela aberta fazendo a cortina azul-escuro dançar ao vento. A enorme cama com uma longa almofada vermelha, combinando com a coberta de mesma tonalidade, era onde o meu corpo repousava. Uma coberta macia e fofa possuindo um cheiro agradável.

Não estava naquela cela. Não estava presa. Esse é o quarto onde fiquei nas semanas como espiã em Icarus.

O meu olhar recai sobre a figura acomodada na poltrona no canto do quarto, folheando calmamente o livro em seu colo. Lorcan estava com uma camisa preta, abotoada até os pulsos e continuava com as típicas luvas de couro. Por estar em um lugar pouco iluminado, exclamo surpresa diante de sua presença. Ele parecia um demônio à espreita naquela distância mas, ao analisá-lo com cuidado, percebo a suavidade da sua expressão.

— Finalmente acordou. — a sua voz grossa e imponente ecoa pelo cômodo. Automaticamente, encolho-me nos lençóis e assinto. — Que bom.

— Eu passei muito tempo desacordada?

— Quase dois dias.

Ergo um pouco a coberta e percebo estar usando uma longa camisola branca de tecido fino. O meu rosto esquenta ao pensar na hipótese de ter sido o duque a me trocar.

— V-Você...

— Eu não a troquei. Uma empregada fez isso. — responde sem tirar o olho do livro, como se pudesse deduzir meus pensamentos apenas pela forma como minha voz vacilou. — Ficará no quarto até recuperar totalmente a sua energia. Um médico veio examiná-la ontem e constatou que uma semana é tempo suficiente para isso.

Aperto as mãos sobre a coberta, suspirando com pesar. Não fazia a mínima ideia do porquê ter sido salva por Lorcan, principalmente quando eu o criei para não ter misericórdia. Então, tinha uma chance considerável do seu ato "nobre" exigir algo em troca.

— E o que acontecerá comigo quando estiver recuperada?

Ele fechou o livro, colocando-o na estante ao lado após se levantar da poltrona. A luz do luar refletia em seu cabelo, acentuando o brilho único dos fios.

— Quem decide é você.

Pensei que seria obrigada a matar alguém ou contar as fraquezas do rei já que trabalho no castelo. Porém, o duque não exigiu nada em troca. Nada que pudesse dar vantagem contra o seu inimigo. E por falar nele...

— O senhor e Christian... — murmuro sentindo a garganta seca. — Estão em guerra?

Lorcan dava um passo em minha direção sem ousar quebrar o contato visual. No começo, ele evitava me encarar diretamente nos olhos, mas agora não parecia desconfortável com essa hipótese.

— Não, ainda não. Mas se ele ousar descumprir a minha palavra e vier buscá-la, não serei tão amistoso.

Engulo seco e aceno positivamente com a cabeça. Não estava em condições de opinar sobre a situação, até porque tinha parcela de culpa nisso. Lorcan estava disposto a antecipar a guerra; não por vantagens em acordos externos ou aumento da potência bélica, e sim por mim. Sei que pode parecer presunçoso da minha parte, mas o homem mais odioso de todo o reino havia me colocado em uma posição de importância.

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