Capítulo 110

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MAJU

—Maria Júlia, eu lhe avisei que não haveria uma terceira chance caso você se envolvesse em mais um episódio de agressão no meu colégio. Esse é um colégio respeitado, não um colégio onde os alunos se batem feito animais por qualquer motivo!!! —Edgar esbravejava na sala dele.

—Eu já falei que não bati na sua filha, Edgar. —frisei pausadamente e ele deixou escapar um riso nervoso enquanto afrouxava sua gravada.

—Como não??? —perguntou um pouco mais alto. —Como você me explica então o fato de que tiveram que arrombar a porta do banheiro e você estava em cima da Sofia com a testa toda arrebentada e sangrando? Foi alucinação coletiva? Faça-me o favor!!! —esbravejou pela segunda vez e eu tinha certeza que do corredor os alunos poderiam tranquilamente ouvir o Edgar.

Realmente, seria difícil pra qualquer um acreditar que eu não tinha agredido a Sofia. Porque na tentativa de tomar a chave dela pra abrir o banheiro e acabar com aquele circo todo que ela tinha armado, algum aluno acabou arrombando a porta e a cena de mim em cima da Sofia no chão do banheiro enquanto ela gritava pra eu "parar de bater nela" foi um prato cheio. E com sobremesa.

—Eu já te falei o que aconteceu, se o senhor quer fechar os olhos pra verdade... —dei de ombros — então eu não sei o que eu ainda tô fazendo aqui.

—Você não quer mesmo que eu acredite que minha filha foi capaz de se autoagredir só pra por a culpa em você, quer?! —cruzou as maos sob a mesa e chegou seu tronco mais pra frente, pra me olhar mais de perto— Sejamos franco, não seria a primeira vez que você a agride.

Aí foi a minha vez de rir com ironia.

—Exatamente! Não seria a primeira vez. —concordei— Mas o senhor se esqueceu, Edgar, que quando eu briguei com a sua filha foi ali no pátio, no meio do colégio pra quem quisesse ver. Eu não esperei hora da saída pra pegar ela lá fora, não peguei ela na esquina de uma rua qualquer e nem me tranquei com ela dentro de um banheiro pra isso. Então se eu estou dizendo que eu não bati na Sofia hoje no banheiro, é porque eu não bati!!! Porque diferente dela, eu sustento tudo que eu faço! —falei até com a cara quente já de tanta raiva.

Ele ficou me analisando com o olhar por alguns segundos, sem palavras. E então piscou algumas vezes se recompondo e se recostando na cadeira.

—Você vai me desculpar, mas eu não posso trair o que eu vi com meus próprios olhos e acreditar somente na sua palavra. Contra fatos não há argumentos. —rolei os olhos sutilmente—Como fica a reputação do meu colégio se eu não cortar esse mal pela raiz?

Neguei com a cabeça.

— Se o senhor se preocupasse com a sua filha a metade do que se preocupa com "a reputação" desse colégio, talvez ela não estaria do jeito que tá. —falei baixo, mas em tom pra que ele ouvisse.

—A minha relação com a minha filha não cabe a você, Maria Julia. Eu amo e já me preocupo o suficiente com ela. —falou firme.

—Edgar eu não tô botando em dúvida o seu amor de pai, mas por favor, a sua filha teve que ir pro hospital com o motorista porque você está mais preocupado em resolver questões burocráticas do colégio e me fazer confessar algo que eu já falei que não fiz. E no fundo você sabe que não fiz mesmo, mas você prefere fechar os olhos pra não encarar a verdade.

Ele engoliu seco.

—Qual verdade?— perguntou com receio.

—Que ela se autoagrediu sim! E quem faz isso, no mínimo precisa de ajuda e das pessoas que ama por perto, por isso você deveria estar lá com ela, não aqui.

Ele recostou na cadeira em silêncio. Silêncio esse que foi quebrado no segundo seguinte por duas batidas na porta antes da Valéria, secretária dele, entrar por ela.

—Valeria, por favor, estou em reunião...

—Desculpa, Edgar. Eu sei, mas é do hospital... —ela falou estendendo o telefone pra ele que o pegou de imediato.

Ele trocou algumas palavras na ligação e seu semblante estava com ar mais preocupado. Foi pegando a chave do carro em cima da mesa e se levantando até que falou as últimas palavras antes de desligar.

—Valéria, assume o colégio pra mim, a Sofia tá tendo uma crise... Não me explicaram direito, mas eu tô indo lá.

—Claro, Edgar. Vai tranquilo e me dê notícias!

Ele assentiu e quando eu achei que tinha sido esquecida no churrasco os olhos dele se voltaram pra mim.

—Por hora, você está liberada. Mas a gente ainda não acabou essa conversa, certo?! —Assenti. —E até segunda ordem, você também está suspensa de assistir os seminários.

—Quê?— ri sem humor, de nervoso— É sério? Edgar o seminário vale a nota do trimestre... Como que eu vo— ele me interrompeu

—Até segunda ordem, Maria Júlia! — Me deixou falando sozinha e saiu apressado.

Que ódio!

SOFIA

Impulsiva.
Inconsequente.

Meu pai sempre me definiu assim, e de certa forma não tiro a razão dele. O problema é de eu sou intensa demais, em tudo. Sempre.
Não sei amar de pouquinho, não sei ter raiva de pouquinho. É sempre muito. Quando eu amo, eu amo muito. Quando odeio, também. E essa é, talvez, a razão pela qual eu tenho as atitudes mais impulsivas e inconsequentes da minha vida, depois que o Pedro entrou na minha vida só piorou.

Eu fico buscando motivos na minha cabeça que me ajude a entender esse isso que eu sinto por ele, essa necessidade de querer ter ele comigo a qualquer custo e de por ele em primeiro lugar na minha vida sempre, mesmo que eu me anule pra isso.

Dependência emocional? Talvez.
Ja me falaram isso. A psicóloga que eu fui uma vez, aliás acho que por isso que eu nunca mais voltei no consultório dela.

É que isso me dói. A rejeição me dói, não ter o que eu quero, ouvir o que eu não quero, e me dizer que o que eu sinto é algum tipo de transtorno me mata. Aos poucos, lentamente.

É doloroso, mas o pior é ter que ficar longe e ao mesmo tempo assistir de camarote alguém que eu amo amando outra pessoa e se tornando melhor por ela.

Talvez isso não dê em nada, talvez toda essa minha tentava só servirá pra prejudicar a mim mesma, mas eu pago o pato.

Porque quando eu disse que estava disposta a fazer da vida dela um inferno, eu não estava brincando.

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