Capítulo 4

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- Anna?

Tiro os olhos da minha borracha por cima da mesa e olho para frente num susto, percebendo que, inevitavelmente, todos da classe estão me encarando.

Tento lembrar da pergunta de história enquanto meu coração dispara. Alguma coisa com fascismo.

- Desculpe. Qual foi a pergunta? - senhora Eva me olha como se esperasse mais de mim. Engulo em seco, preparando a defesa.

- Diga três características do fascismo, Anna. - ela ergue as sobrancelhas.

- Sim. Quer dizer... ódio a grupo seleto de pessoas.

Ela caminha pela sala. Mais uma.
- Bem, e...

Sou interrompida por um barulho característico, enquanto todos se levantam, apressados, e o barulho de zíper das mochilas se faz alto na sala. Saída.

Respire, Anna.

Meu alívio se dissipa quando, antes de sair da sala, pego senhora Eva me encarando.

- Ela vai começar a me marcar - resmungo enquanto Isabella observa mensagens no celular.

- Vai nada, amanhã ela esquece.

Olho para os céus, fazendo uma prece silenciosa para que Isabella esteja certa, e sacudo os sapatos quando chego na calçada molhada. O céu está um tanto cinza, e vejo Isabella tremer um pouco, olhando para as nuvens. -Middletown. Por que tão escura?

Sacudo os ombros. Não importa.

Observo-a ir embora enquanto pego meus fones na mochila. É um longo caminho até em casa.

     
-

Então, como foi a escola hoje? - meu pai pergunta enquanto coloca um pouco de purê de batata na boca.

- Bem, nada de importante.

- Que bom - ele sussurra, um pouco nervoso. Estreito os olhos quando percebo que existe algo errado. Todos na mesa parecem muito calados hoje. - Sabe quem veio falar comigo mais cedo?

- Quem? - pergunto lentamente.

- A senhora Parker. Sabe? A nossa vizinha que você praticamente ignorou a vida inteira...

- Sei sei. E em minha defesa sempre a achei estranha. - digo, fazendo mamãe e Ander rirem.

Meu pai me olha nos olhos - Ela disse que está recebendo um sobrinho, um garoto que vai estudar na mesma escola que você. Qual o nome dele? Landon...-

- Lucas, Lucas Parker. - eu o corto com um pequeno sorriso no rosto. O garoto se apresentou de uma maneira muito engraçada essa manhã.

- Isso. - meu pai sorri - Como ele é novo na cidade, ela me pediu que você meio que o " orientasse". Calma - ele diz quando vê meus olhos se arregalarem - Não vai precisar ficar amiga dele. É só até que ele se acostume. Depois você o ignora, como faz com todo mundo.

Mas meu mau temperamento com outras pessoas não é o que me faz ter medo de me aproximar de Lucas Parker.

A partir do momento em que ele sorriu pra mim, com os dentes brancos e alinhados, percebi que o garoto era problema, e dos grandes, e eu não queria problema. Sei que parece meio estranho, mas por trás do sorriso havia alguma coisa que eu não conseguia distinguir, eu via confusão ali.

Além disso, eu tenho que deixar bem claro que Lucas Parker é muito bonito. Até sob a camiseta preta eu pude distinguir o porte físico torneado. Não resultado de academia, mas de trabalho duro.
Achei que ele era intrigante até o momento em que deu o "sorriso" pra mim, e me ofereceu uma carona. Quantas garotas já devem ter caído naquele sorriso e olhos azuis?

Encaro meu pai, atônita. - Não.

Minha mãe solta o garfo. Suas regras de etiqueta são comoventes, e qualquer barulho desnecessário na mesa é repreendido, o que nos faz pular com o barulho. Ela me encara com um olhar determinado. - Já falei para a senhora que você iria ajudar com prazer.

Abro a boca para protestar, mas ela me cala com apenas um olhar. Contorço os pés, frustrada. - Seja gentil. Como você sabe, ele é novo por  aqui.

Baixo a cabeça para minhas batatas, concordando. Palavras de não são sempre as últimas. Traço meu plano. Não parece tão ruim assim ficar amiga do vizinho. Vi o jeito com que me olhava, e confesso que me deixou um pouco nervosa, mas se puder manter limites, é mais improvável que ele passe da linha.

Meu pai ergue as sobrancelhas e olha para minha mãe, que continua comendo. Até Ander me encara boquiaberto.

- Meu Deus! Não investi tanto na educação de vocês para que sejam tão antisociais! - ela reclama, e a situação fica um pouco cômica quando meu pai segura o riso.

          ****************


A partir do momento em que sou severamente sacudida na cama sei que tem alguma coisa errada.

Abro os olhos para Ander. Os olhos inchados indicam lágrimas constantes, e imediatamente me levanto, encarando sua face contorcida pelo choro.

- Ei amigão, o que aconteceu??

Ela para um pouco, tempo suficiente para pegar mais fôlego e continuar chorando. Começo a ficar realmente preocupada, pegando seus ombros e fazendo-o olhar para mim. - Fale.

Sua voz está fraca, e quase não ouço quando murmura um pedido de desculpas, junto com a justificativa.

- Ela morreu, Anna. Ela morreu.

Sacudo a cabeça rapidamente, querendo que ele pare de lembrar daquela cena. Um palavrão sai da minha boca antes que perceba, e o puxo para minha cama. Ele continua chorando até que, finalmente, cai no sono novamente.

Sempre, sempre que ele tem algum pesadelo sobre aquela noite, me procura. Sinto tudo o que ele sente quando lembra de ter visto a própria tia morrer na sua frente, e de uma maneira tão trágica. E o pior de tudo, o que mais me atormenta, é que eu não posso fazer nada.

Absolutamente. Porra. Nenhuma.

Só o consolo é a alternativa. Que um dia ele vai vê-la novamente, bonita como sempre foi.

O vento vai levar toda a sua dor embora...

Lágrimas escorrem dos meus olhos quando os fecho, caindo na escuridão no sono sem sonhos.

********************

Quando acordo, Ander já não está mais na cama. Papai deve tê-lo levado embora.

Encaro o teto com o olhar de acusação. Estou cansada disso. Cansada de lidar com o que o mundo fez com ele. Sacudo a cabeça quando a raiva assume, a espantando para longe. Talvez seja isso, talvez tenhamos que passar por algumas provações desde pequenos.

- Annaaaaa! O Lucas está aqui!

Ah merda.

Não esperava por isso tão cedo.

Levanto da cama num susto, vendo o sol já claro no horizonte. Corro para o banheiro, pegando a primeira roupa que vejo na frente, e sequer abro a bolsa para ver seu conteúdo quando pego sua alça.

Cinco minutos.

Desço as escadas correndo, pegando um biscoito no meio do caminho, e encontro sua figura encostada na soleira da porta da casa. O boné no rosto cobre seus olhos, mas não impede que alguns fios de um cabelo um tanto arrepiado fujam para outras direções. A mochila está sob um dos ombros, enquanto ele me encara com um sorriso torto no rosto.

- Quer uma carona?

O segundo amor de Annabelle LouisOnde histórias criam vida. Descubra agora