Capítulo 1

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- O que está inventando?

Mamãe me encara no reflexo do espelho do banheiro. Olhos castanhos com olhos castanhos. - Você vai se atrasar.

Sorrio, faço uma expressão séria e sei que não estou tão horrível assim.

Pego a minha mochila e desço as escadas, com cuidado para não acordar meu irmão mais novo. E pulo os últimos degraus. Pego um pedaço de baguete e maionese e corro para a porta.

- Pai? já vou indo.

Ele, que até então estava fazendo alguma comida estranha no fogão, se vira para mim:

- Tchau, e volta logo pra casa. Nada de ficar enrolando por aí.

Reviro os olhos e saio, inspirando o ar puro de Elizabethtown, a pequena cidade onde vivo.

Elizabethtown é dividida em dois tipos de pessoas. Existem os que são de Elizabethtown, e vivem em Elizabethtown, e existem os que são de Elizabethtown, mas vivem em lugares melhores.

Eu e minha família somos de Elizabethtown, mas vivemos em lugares melhores, de preferência lugares onde não existam pessoas que vivem em Elizabethtown.

Isso porque as pessoas que vivem nessa cidade são em sua maioria, a meu ver, estranhas. Quem se importa se Oliver Hunter perdeu a virgindade para "aquele idiota"? Ou que Annabelle Louis foi traída publicamente por "outro idiota"?

Talvez esse modo de pensar tenha sido influenciado por meu pai, que veio para a cidade adolescente e logo percebeu os tipos de seres que aqui habitam.

"Eu queria ir embora logo que cheguei aqui, mas então encontrei alguém que não vivia aqui, e essa pessoa mudou minha vida"
(Beijo na minha mãe)

Eca

Me distraio com o carro vermelho e um tanto acabado na frente da casa dos Parkers, meus vizinhos. Não parece o tipo de carro que eles usariam. Se é que eles dirigem. Estreito os olhos com justificada suspeita até perceber que não, Anna, não é importante.

Ponto de ônibus.

Chego na escola com os fones de ouvido que roubei de Ander. Mal passo pela entrada quando alguém pula em cima de mim.

- Bom diaaaa!

Meu coração dispara, e arranco os fones com a maior força possível. Isabella me encara entusiasmada enquanto tenta equilibrar os vários livros que tem nas mãos. Não entendo esse excesso de material. Não é como se ela fosse estudar em algum momento.

- Meu Deus, o que aconteceu? - pergunto, olhando ao redor e percebendo que muitos viram sua cena.

- Eu falei bom dia várias vezes, você que fica com esses fones, querendo explodir os ouvidos, e não me escuta. - ela faz um muxoxo, que ignoro enquanto guardo os fones na mochila e passo pelos inspetores de olho nos celulares.

Reviro os olhos. Isabella, que praticamente cresceu comigo, conviveu com a minha família diariamente e logo se tornou um belo exemplo de alguém que vive bem longe de Elizabethtown. Por isso, ela é, na verdade, minha única verdadeira amiga nessa escola.

Nessa cidade.

- Podia ter me cutucado.

- Você odeia ser cutucada - ela estreita os olhos pra mim - Que seja, estamos praticamente nas mesmas classes, e é o nosso último ano! Eu posso gritar! - ela grita.

Suspiro. - Vamos.

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Faltavam 2 minutos para bater o último tempo, e eu estava lendo um livro por baixo da mesa enquanto Isabella, do meu lado, tentava se manter concentrada em história.

- Seu pai vem te buscar hoje? - ela cochicha.

- Acho que não, ele tem alguns trabalhos pra entregar e eu não pedi. - meu pai sempre vai me buscar na escola, mas agora ele mudou de emprego e está se esforçando para parecer uma pessoa responsável.

Resultado? Ônibus na ida e na volta.

Finalmente ouvimos o sinal, seguido e vários suspiros de alívio. Pego minha mochila, lanço um tchau para Isabella e saio de sala rápido, já que o ônibus passa cedo.

No meio do caminho, alguém me segura pelo braço:

- Anna?

Reconheço a voz. Me viro para ver Alex Rinaldi, que senta atrás de mim na aula de biologia.

Paro. Olhos sem expressão.

- Posso ajudar?

Ele me olha, meio sem jeito:
- Um amigo meu conseguiu quatro ingressos pra uma estreia de um filme de terror que vai ter agora, sabe aquele do serial killer? O trailer fez muito sucesso. Só que sobrou um, ele disse pra convidar qualquer pessoa, e eu pensei se você queria vir comigo.

Ele disse isso tão rapidamente que eu quase não consigo entender. Encaro Alex por alguns segundos. É bonito, loiro, dos olhos castanhos. Minha cabeça chega no seu ombro, e o corpo, apesar de não ser sarado, tem um porte magro que é proporcional às suas atitudes.

E parece ser legal.

Só há um problema. Ele vive em Elizabethtown.

Alex é uma daquelas pessoas doces, que se aproximam e ficam. Que chamam e seguram. Uma pessoa cujo sonho é construir uma casa nessa cidade e sustentar sua mulher e três filhos.

E bem? Eu não sou.

Minha face denuncia a possível resposta.

- Sinto muito Alex, ando muito ocupada esses dias, com os estudos e o meu irmão, quem sabe outra hora?

Sua expressão murcha, mas ele tenta disfarçar com um sorriso:

- Tá okay, vou te deixar ir agora, acho que seu ônibus está chegando.

Me viro, num susto.

Filho da..-

Ah droga.

E saio correndo, pisando na grama e ignorando os gritos dos inspetores inúteis da escola.

O segundo amor de Annabelle LouisOnde histórias criam vida. Descubra agora