Capítulo 5

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O encaro, desconfiada. O sorriso de lado aumenta, com um olhar travesso. A jaqueta azul esconde parte da camiseta preta por baixo. E as calças e ainda os mesmos tênis acabados dão um visual desleixado à figura.

- Você pode esperar só um pouco?

- Sempre.

Reviro meus olhos, avessa á sua tentativa de me seduzir, enquanto caminho para a cozinha.

- Mãe, você falou alguma coisa sobre o Parker me dar carona?

Ela tira os olhos da torrada que está a meio caminho da boca.

- Foi ideia do seu pai, já que você tem que ir de ônibus todo dia. Vimos que não faz nada de mau em vocês irem e voltarem para casa juntos.

- E por que eu só fui saber disso agora?

Ela revira os olhos para mim. Prática da família.

- Pare de ser melodramática. Vá logo que você está atrasada. O garoto está esperando.

Me viro, pisando duro em direção à porta da frente.

Quando chego lá, Lucas está parado na mesma posição em que o deixei.

- Vamos. - resmungo.

- Sim senhora.

De longe, avisto o carro. Antigo, mas bem cuidado, a cor vermelha se destaca em plena luz do dia. Parece bom. Entro e fico calada enquanto ele bate os dedos no volante, tocando um ritmo desconhecido.


- Você não é muito de falar, não é? - ele me pergunta, um tom transparece um pouco de frustração quando ele tira os olhos da direção e me encara.

- Não é isso, é só que não há nada para conversarmos, e eu não gosto de ficar de papo furado.

Ele me encara, curioso, pela quinta vez nos 10 minutos que estamos dentro do carro.

- Então, você é daqui mesmo? - troca a marcha. As cutículas bem cuidadas nas mãos grandes me chamam a atenção. Não que eu ligue para cutículas, mas é uma coisa interessante de se ver.

Me viro para a janela, vendo as árvores passando rapidamente por nós. Estou olhando as cutículas alheias. - Sim - infelizmente.

- Por acaso todo mundo dessa cidade é igual você? Meio assim... calado? - ele me encara com uma expressão de terror na voz.

Eu rio alto. - Não, não exatamente.

Me viro para ele, ainda sorrindo, e o pego me encarando. Ele pisca e volta os olhos para a rua, com um pequeno sorriso no rosto.

Quando olho para frente, percebo que estamos em frente à escola, e para evitar qualquer momento constrangedor de "fale alguma coisa", saio do carro, quer dizer, meio que salto do carro, assim que ele para.

- É isso, obrigada, tchau.

Já estou quase no meio do caminho quando ele chega ao meu lado, com uma expressão de raiva.

- Você é louca? Eu nem tinha parado o carro direito! Tente não se matar pelo menos quando estiver comigo!

Pisco, surpresa com seu tom de voz, e paro. Quer dizer, estanco. Nunca ninguém grita comigo, nem meus pais. E não porque eles não podem, e sim porque minha mãe não acha correto gritar com os outros. Educação, Annabelle.

Tomo um susto tão grande que sinto todo meu rosto queimar, e os olhos ardem de desespero. Olho ao redor, e graças a Deus ninguém percebeu o escândalo que ele deu.

Pisco os olhos e viro para frente, com o coração ainda à mil por hora.

Mal dou um passo quando ele me segura pelo braço. Me viro para encará-lo. O boné branco e azul desceu um pouco, mas ainda posso ver os olhos. Graças a Deus os meus pararam de arder.

- Me desculpe - ele murmura com um tom de culpa na voz - Acho que falei muito alto né? - ele ri da própria piada, mas a risada sai forçada, e não me provoca nenhuma vontade de fazer o mesmo.

- Sim - sussurro.

Ele coça a cabeça, pensando. - Esquece isso, eu não quis te assustar. Só achei que você poderia se machucar pulando do carro igual o James Bond.

Aceno com a cabeça, sorrindo um pouco.

- Mas pelo menos eu descobri alguma coisa sobre você afinal. Não gosta que gritem com você. E gosta de adrenalina.

Rio de verdade dessa vez, e ele tira sua mão do meu braço. Percebo que ela esteve ali o tempo todo, e ainda agora, sem o contato corporal, posso sentir o quente aperto. Vejo Isabella do outro lado do portão me encarando com os olhos arregalados, depois dá um sorriso como "sua safada!" E vai embora. Sacudo a cabeça internamente e dou um passo para trás, dando minha deixa.

- Estou indo pra sala. Sabe onde fica a sua. Quem sabe te vejo na hora do almoço? - pergunto, percebendo que ele não é um babaca, afinal.

Ele sorri, acenando. E me viro, a caminho da minha sala. Só então percebo o sorriso besta que tenho no rosto.

****************

- Então, quem era o seu gato? - Isabella me cutuca. Merda. Odeio isso.

- Gato? Sério?

- Admita, ele era lindo! O que eu daria só para passar os dedos por aquele cabelo bagunçado como o inferno! - ela diz, se abanando.

Eu rio alto, e alguns da sala nos encaram.

- Primeiro: ele estava de boné - (o que não impedia a constatação, mas enfim), e sim, ele era bonito, mas não meu. É um garoto que se mudou para a casa dos Parker, e eu vou meio que ajuda-lo a se "adaptar".

Ela estreita os olhos para mim.
- Só isso?

- Sim.

Ela se vira para frente, calada, mas ainda vejo a suspeita no seu olhar. Suspiro profundamente quando, meia hora depois, o sinal toca, indicando o horário de almoço.

Mal pegamos nossos pratos e sentamos na mesa quando vejo uma movimentação do lado oposto no refeitório. Algumas garotas estão apontando e rindo. Localizo Lucas como sendo a razão da inquietação, e reviro os olhos.

Mas de repente o noto. Ele está sentado, mastigando o que parece ser um hambúrguer, e conversando com uma garota loira e muito bonita. Ela ri de alguma coisa que ele falou e toca no ombro dele.

Eca.

Ela levanta, fala alguma coisa no ouvido dele e vai embora, enquanto ele ri e continua comendo, como se nada tivesse acontecido.

Isabella também percebe o movimento.

- Quem era aquela? - ela diz com voz de nojo.

A miopia pode impedí-la de reconhecer certas pessoas, mas não tenho nenhum problema de visão. A cabeleira loira e a postura reta só apontam para uma pessoa.

Ela não demora muito para perceber minha postura, e estreita os olhos. Não faz nenhum comentário quando percebe que não pretendo tocar no assunto.

- Evangeline.

O segundo amor de Annabelle LouisOnde histórias criam vida. Descubra agora