Capítulo 2

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Desde um pequeno incidente, a cerca de um ano, meu irmão sempre me espera na porta de casa. Não foi um trauma, ou alguma coisa parecida, ele só cuida de mim da maneira que pode.

Eu lembro nitidamente da sua expressão quando abri a porta de casa chorando, e fui correndo para o banheiro botar para fora tudo o que tinha comido durante o dia. Ele havia ficado horrorizado, e aquele dia ainda faz com que ele fique "brincando" na porta de casa, mesmo depois de um ano.

Claro que ele não admite. É difícil para uma criança de 8 anos admitir que se importa com a própria irmã.

Penso nisso enquanto dobro a esquina de casa e o vejo com uma bola de futebol, chutando contra a parede. E sorrio. Ander tem os mesmos cabelos e olhos castanhos que eu, e a semelhança vai além disso, nós dois evidentemente somos incrivelmente idiotas quando se trata um do outro.

Ele se vira, percebendo que eu cheguei (e bem), pega a bola e chuta para mim. Eu a intercepto, dando um salto, tentando ser igual a uma ninja, e mantenho a bola comigo. Ele percebe que eu não vou devolver e avança para toma-la de mim, e a partir daí a brincadeira fica mais violenta.

Brincamos por um tempo, e no final estamos suados e rindo até cair no chão. Até que minha mãe aparece na entrada da casa e nos encara com o olhar estreito.

- Os dois! Vão tomar banho!

Ander sai correndo para pegar a bola e volta para casa, e eu lentamente pego minha mochila no chão. Não pude deixar de notar o pequeno sorriso nos lábios da minha mãe, e sorri também.

Ander está melhorando.

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Me pergunto quem inventou os pratos mais estranhos que temos hoje em dia.

Por exemplo: o pudim.

Pudim parece ser um prato un tanto normal, mas pensamos que, quando foi inventado, ninguém sabia bem o que estava  fazendo.

Ou sabia?

Vou supor que não.

Imagino o ser humano olhando para seus ingredientes e pensando "Hey, vou misturar toda essa gororoba, esquentar de um jeito nada convencional e, quem sabe, fica gostoso".

Eu, pelo menos, não teria tanta criatividade para isso.

Esses eram meus pensamentos à mesa. Os quatro lugares dispostos, a carne já fria e o pudim na mesa. Sobremesa.

- Você está calada hoje, algo aconteceu? - meu pai começa enquanto parte, despreocupadamente, uma fatia de pudim.

Desperto. Encaro todos na mesa. - Absolutamente nada.

Ander, que já está na segunda fatia, se vira para minha mãe. - Acho que ela está namorando.

- Ander!

Depois do jantar, pego meu fone e meu caderno e vou para a varanda do meu quarto. Começo a fazer meu dever de história quando vejo uma movimentação na minha visão periférica.

Alguém sai da casa ao lado e caminha em direção ao carro. O carro. Está na hora de resolver o mistério. Aguço minha visão o máximo possível para enxergar o indivíduo.

Tomo um susto quando, porém, o peso do meu olhar deve ter chamado sua atenção, e ele se vira para mim em instantes, de modo que não posso nem recuar. Por isso decido permanecer, e assim manter minha dignidade.

Está muito escuro, por isso não posso distinguir quem é, mas pela estrutura corporal posso dizer que é um homem. Ele me observa por um tempo, e forço minha vista, tentando enxerga-lo. Está muito escuro para distinguir sua face, mas sei que o cabelo é preto.

Progresso, Anna.

Ficamos assim por um tempo, até que alguma ideia ou lembrança parece cair sobre ele, e o mesmo entra no carro e sai tão rapidamente quanto apareceu.

- Anna? - ouço um sussurro e me viro para ver meu Ander parado na porta, me olhando com cara de cachorro sem dono.

- Fala.

- Posso ficar aqui hoje?

Me viro para encará-lo, o intruso vizinho esquecido á muito tempo. Ander tem seus olhos um tanto arregalados, evidências de algum provável medo. - O que aconteceu?

Fica calado, encarando os próprios pés. As meias estão pequenas, o que me incomoda um pouco. Ander tem crescido exponencialmente nos últimos meses. Vejo que não quer falar tanto do assunto e resolvo  ignorar.

Sorrio e abro meus braços para meu irmão, e ele vem até mim.

Passo a noite toda pensando no que vai acontecer com Ander.

No que vai acontecer com ele quando eu for embora.

Claro que minha mãe e meu pai estão aqui, mas nós somos muito próximos, e eu não planejo ficar mais tempo nessa cidade. Não me sinto feliz aqui. As pessoas parecem limitadas a um único tipo de pensamento, e as coisas só pioram quando eu já fui vítima desse pensamento.

Olho para o sol nascendo pelas cortinas, e me viro para o meu irmão. Ele seria um bom motivo para que eu ficasse.

Me levanto lentamente da cama, e o carrego até seu quarto. Os anos de vôlei colaboram para que o deite em sua própria cama, e volte ao meu quarto para me arrumar para mais um dia de aula.

Me despeço da minha mãe e estou saindo rapidamente de casa, com a esquina do ponto de ônibus a vista, quando ouço uma voz rouca vindo de perto da porta da casa ao lado.

- Ãh... com licença, você pode me informar onde fica o colégio onde você esta indo? É um dos únicos de Elizabethtown não?

Eu me viro lentamente, surpresa pela interrupção e dou de cara com os tênis mais acabados que já vi na vida.

São vermelhos. Gosto de tênis vermelhos. All Star? Isso.

Passo os olhos pela calça jeans preta. E pela camisa azul coberta pelo casaco jeans preto de zíper aberto. Um fio preto em volta do seu pescoço prende o que parece ser uma pedra de rio preta. Brilhante e de um formato estranho.

O garoto de aproximadamente minha idade, de olhos azuis bem escuros e cabelo preto, com rosto quadrado e lábios franzidos, me encara com expectativa.

Deve ser cerca de 20 cm mais alto que eu, e a expressão, apesar de um pouco perdida, parece bem familiar.

Percebo que estou encarando por muito tempo e pisco os olhos:

- O quê? - digo, com uma voz aguda.

O segundo amor de Annabelle LouisOnde histórias criam vida. Descubra agora