DEZENOVE

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A Luana bateu no vidro chamando nossa atenção e eu torci o pé quando fui me virar para ir até a porta do passageiro. Péssima noite, tudo errado DE NOVO. Eu não consegui não começar a chorar nessa hora, meu tornozelo, minha cabeça e meu coração estavam doendo.
Olhei e vi os três dentro do carro, olhei para o Giorgian que estava mais próximo do meu limitado campo de visão no momento e depois de me ver parada e escorada na parte frontal do carro, veio até mim.

- Meu pé vai cair, tá doendo muito - ele colocou as mãos minha cintura e eu apoiei meu peso em seus ombros com os braços e fomos assim até a porta do passageiro. Ele abriu e eu sentei - Valeu.
- Não vai cair - ele se abaixou e tirou minha sandália - Mas já tá ficando inchado - ele apertou meu tornozelo mas mesmo que fosse de leve dei um tapa em seu ombro.
- TÁ MALUCO, GIORGIAN - dei um grito que até a Aline que babava no banco de trás acordou assustada - Já disse que tá doendo demais.

Ele fez sinal negativo com a cabeça várias vezes e fechou a porta, indo para o banco do motorista.

- Tá tudo bem? - Aline perguntou completamente desnorteada e quando olhei para trás vi que a Luana estava com cara de assustada e a mão na testa.

A resposta veio de mim, Giorgian Luana em um uníssono e objetivo:
- Não!

Ele arrancou com o carro e estranhei porque por mais que o tenha visto dirigir poucas vezes, em nenhuma delas foi dessa forma. Mas não iria falar mais nada hoje, minha cota tinha atingido o limite já.
Estava cansada demais, porém a dor da minha torção me impedia de tirar o mínimo cochilo que fosse, até fiquei mais sóbria com a concentração voltada a dor que sentia, mas ainda ficava tonta as vezes.
Assim que chegamos na porta do hotel, as meninas desceram do carro e eu tirei o cinto e abri a porta, quando ia chamar a Luana para me ajudar a descer e ir até o quarto, Giorgian falou:

- Vamos no hospital agora - Luana e Aline estavam do lado de fora enquanto eu segurava a porta aberta - Olha pro seu pé.

Assim que vi o quão inchado e vermelho que estava comecei a chorar sem controle nenhum, soluçava e as lágrimas caiam sem parar de meu rosto pro meu colo, minha saia rosa claro já
estava ficando toda manchada. Eu não queria continuar perto dele hoje, não queria hospital e nem ficar longe das meninas logo quando elas se esforçaram tanto para vir me visitar aqui. E foi tudo culpa minha, como na maioria das vezes. Eu chorei de uma vez por todos os motivos acumulados durante a noite, meu pé foi só o pior estopim possível para os três ficarem me olhando com pena enquanto me assistiam chorar sem saber o que fazer.

- Não tem opção, você tem que ir agora ver o que fazer com esse machucado - Aline passou a mão pelo meu cabelo em um gesto de carinho e meu choro foi casando aos poucos - A gente pode ir com você.

Eu queria aceitar mas quando pensei direito, poderia ficar lá por horas e elas não iriam dormir e eu atrapalharia o voo delas de volta para SP.

- Pode demorar muito, vocês tem que arrumar as coisas e viajar em poucas horas - quis saber exatamente o horário que meu relógio de celular marcava e procurei ele na bolsinha que levei comigo - Puta que pariu, meu celular não tá aqui.

Giorgian pegou minha bolsinha e revirou tudo no próprio colo. Nada do celular.

- Respira fundo - Luana veio até mim e ficou repetindo para eu respirar devagar e contar até dez, ela me conhecia bem demais para não saber que eu iria surtar em questão de segundos.
- É isso - segui os conselhos dela, respirei fundo e mesmo querendo explodir (mais uma vez), me controlei - Vocês vão dormir e se eu não chegar até as 8h e pouco, me despeço aqui e a gente se vê em breve até porque tá faltando muito pouco pra eu desistir de tudo aqui e voltar.

Não conseguia parar de chorar, mas diminui bastante a intensidade, abracei as duas sentada no banco mesmo para nos despedirmos e olhei para o Giorgian que me encarava com um olhar que poderia dizer que pairava entre a preocupação e a decepção, ele reorganizou minha mini bolsa e me devolveu. Fechei a porta e ele foi rumo a algum hospital que eu iria torcer para meu convênio atender.

- Não era pra noite acabar desse jeito - ele comentou com a voz baixa.
- Ultimamente tudo que tá acontecendo comigo nessa cidade é ruim - respondi secando minhas últimas lágrimas.
- Tudo? - ele perguntou e me olhou rapidamente, voltando atenção para o trânsito.
- Os acontecimentos tão sendo ruins aqui - ele assentiu de leve - Mas minha companhia, muito boa.

No fundo eu sabia da minha grosseria no pub quando ele me repreendeu quanto a minha bebida. Ele não estava errado mas eu não sabia lidar muito bem com situações que me remetem a algum tipo de controle ou manipulação das minhas atitudes. Minha amiga hoje me disse que preciso me desvincular do meu ex, e eu preciso muito parar de associar as atitudes de pessoas que não tem nada a ver com ele, com os traumas que só ele me causou há um tempo atrás.

- Não devia ter falado pra parar de me encher o saco daquela forma - falei depois de um tempo em silêncio - Fui grossa e sei que você queria só evitar isso que tá acontecendo nesse exato momento, me desculpa - Não acredito que estou indo para o hospital de madrugada sem meu celular. Com meu ficante.
- Fiquei irritado mas já passou - ele comentou entrando no estacionamento de um hospital enorme e desconhecido por mim.

Ele parou o carro e, por não ter outro jeito por conta da situação do meu pé, me pegou no colo para entrarmos no hospital.

- O começo perfeito de uma sexta feira e ela nem é 13 - comentei e ele riu baixo, eu nem tava conseguindo rir de nada, só chorar.
- A gente vai resolver isso logo, eu prometo - ele disse me colocando na cadeira da recepção, que estava com pouquíssimas pessoas.
- Você é a minha única sorte da noite, obrigada - ele me deu o primeiro selinho da noite apenas agora, por incrível que pareça, e foi até o balcão com meu documento em mãos.

Porque essas coisas acontecem comigo, hein?!

Sirena | De ArrascaetaOnde histórias criam vida. Descubra agora