QUARENTA E NOVE

468 32 6
                                    

Sentia o quarto a minha volta girando devagar, mas sem parar. A sensação que me remetia a momentos que queria esquecer e outros aos que queria eternizar.
Era a mesma sensação de quando descobri sobre a morte do meu pai quando criança, quando minha irmã caiu de um telhado em uma festinha de adolescente e eu achei que ela fosse morrer também e ao mesmo tempo, a sensação de quando entrei no mar pela primeira vez, quando me senti apaixonada pelo primeiro garoto, quando eu olhei Giorgian dormir na manhã seguinte em que começamos a namorar e percebi que era o amor que eu queria pra minha vida.
Todas essas coisas e sensações passaram pela minha cabeça no momento em que li aquela mensagens.

"Manu: A tia Ana me ligou, dizendo que me amava e mais um monte de coisas
Manu: Eu não sei porque foi pra mim, falou da minha filha, que já a amava muito e que não conseguiu falar com você
Gabriella: do que você tá falando? que conversa foi essa? ela mal fala com a gente
Manu: Nossa mãe sofreu um acidente de carro
Gabriella: e cadê ela?
Manu: No hospital"

Eu não precisava que ela continuasse falando absolutamente nada para entender o que aconteceu. Entender que eu também havia perdido minha mãe.

- Eu não consegui nem falar com ela nos últimos dias - chorava sem parar um segundo, mal conseguia respirar ou enxergar um palmo a minha frente - Porque isso aconteceu comigo de novo?
- eu falava sozinha, mas pressuponho que Giorgian tenha escutado e veio até mim com a escova de dentes na mão.

Ele sentou na cama ao meu lado e me abraçou forte, não falou nenhuma palavra até que eu parasse ao menos de soluçar.

- Quer me falar o que aconteceu? - passei a mão pelos meus olhos e esfreguei devagar.

- Minha mãe - não consegui continuar sem que voltasse ao estado de desespero e entreguei meu celular a ele com a conversa aberta - Acidente - ele me olhou e assentiu devagar, ficando sem reação por alguns segundos.

- Vamos até o hospital, tá?! - levantou e me puxou pelas mãos, me incentivando a levantar.

- E se minha mãe morrer também? - minha cabeça ainda não tinha parada de rodar, sentei novamente e peguei meu celular da mão dele para ligar no telefone da minha tia.

- Você nem sabe qual situação ela está - colocou as mãos no meu ombro.

- Amor - voltei a chorar - Eu ainda nem contei pra ela que eu tô... - lembrei, por um segundo, que ele ainda não sabia dessa informação também.

- Tá o que? - perguntei no mesmo momento que minha tia atendeu o outro lado da linha.

"Tia Ana: Oi meu amor, tentei te ligar
Gabriella: Como ela tá?
Tia Ana: Ela tá estável, não é grave e amanhã a noite irá para o quarto de enfermaria
Gabriella: Meu Deus, Tia, pelas mensagens que enviou para a Manu pensei na pior das possibilidades e entrei em desespero
Tia Ana: Desculpa, Gabi, eu também estava assim quando recebi a notícia, vocês acham que conseguem vir até nos próximos dias? Ela já está dizendo que não precisava avisar vocês, mas eu não faria isso."

Continuamos conversando até que eu me acalmasse um pouco mais. Iria viajar em 2 dias, mas sem a Manoela, a gravidez dela estava em um estágio não ideal para pegar um avião.
Coloquei meus pensamentos em ordem, e consegui raciocinar melhor. E só nesse momento percebi que meu namorado continuava parada exatamente no mesmo lugar, me encarando com um semblante de dúvida.

- Você ouviu, né? - ele assentiu e franziu as sombracelhas após minha pergunta.

- Eu fico feliz que ela esteja estável, acho que não consigo ir com você, mas posso tentar - colocou as mãos na minha bochecha e fez um carinho leve - Tenta ficar calma.

- Eu tô mais calma agora - respirei fundo - Obrigada, uruguaio.

Me aproximei, dando um selinho prolongado em seus lábios e ele se afastou subitamente e coçou a cabeça.

- Você disse, antes da ligação, que ainda nem tinha contado pra ela sobre a sua o quê? - olhei para o chão, tentando achar uma forma de escapar desse papo.

- Nossa, amor, eu nem lembro mais o que queria dizer, tava completamente atordoada - o olhar dele era de dúvida, mas apenas sussurrou um "entendi".

Pedi para ele continuar se arrumando para o treino, e julguei minha própria falta de coragem para contar sobre nosso filho ou filha enquanto encarava minha própria barriga, ainda inexistente.
(...)

Assim que cheguei na loja de carros que fui para finalmente comprar o carro que tanto precisava, senti algumas pontadas de cólica na barriga.
Respirei fundo, passei a mão devagar no local em que sentia a leve dor e acompanhei o vendedor.
Depois de escolher meu novo carro, mandei mensagem para minha irmã tentar me ajudar.

"Gabriella: tô com cólica e não posso estar menstruada
Gabriella: me ajuda
Manu: Se piorar precisa ir ao médico urgente
Manu: Fala com seu homem e vai lá
Gabriella: ele não sabe ainda
Manu: Quê???"

Não respondi mais nada, fui até o apartamento pegar algumas outras roupas para levar até a casa do Giorgian. E pensei em como poderia contar de uma vez por todas ao Giorgian.
......................................................................

Sirena | De ArrascaetaOnde histórias criam vida. Descubra agora