QUARENTA E QUATRO

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Acordei confusa, sabendo o que deveria ser feito mas em conflito com as reais motivações para isso.

- Porque você tá fazendo isso? Não faz sentido - eu o encarei e coloquei as mãos na cintura fazendo questão de não responder, ele sabia o porquê - Isso é teimosia, você é muito teimosa.

- Eu preciso seguir o meu caminho, não vou ficar pra sempre nesse escritório, eu aprendi muito, mas preciso seguir a vida, né? - bati meus braços ao lado do corpo e ele levantou, se apoiando na própria mesa.

- Você vai se arrepender, Gabriela, tudo para o seu crescimento tá aqui, fora que eu não sei o que fazer sem você - passou as mãos pelo rosto e nesse momento eu até senti uma peninha dele, sinceramente, nem eu mesma sabia se queria deixar aquele trabalho naquele momento.

- Eu posso ficar mais uma semana, você se organiza, acho que é o mais justo nessa situação, eu entendo seu lado também - suspirei sabendo que não era o ideal, mas era o correto a se fazer.

- Eu não vou te convencer a mudar de ideia? - eu pensei, olhei para minha mão, como sempre fazia nesses momentos, e o encarei novamente - É isso que você quer? - frisou a quarta palavra, ele sabia jogar esse jogo, Eduardo era muito esperto e me conhecia razoavelmente bem.

- Me convence então - sentei na cadeira a sua frente, cruzando as pernas e realmente aguardando uma resposta.

- Primeiro - fez o número 1 com a mão direita - Seu salário, 65% a mais e você sabe que ele já não é baixo - levantei as sombracelhas, não esperava por isso - Segundo, eu contrato outra pessoa pra te ajudar, e você fica com os casos mais complexos.

- Deixa eu escolher a pessoa pra me ajudar? - ele assentiu, não queria um Eduardo² - Terceiro - ele me encarou esperando a continuação - Você nunca mais vai encostar em mim, mesmo que seja no ombro ou cintura, ou falar qualquer merda que tenha um resquício de malícia ou desrespeito, você entendeu? - ele ficou ainda mais pálido do que já era naturalmente e respondeu.

- Eu... - começou mas gaguejou, ruim - Você consegue acreditar em um pedido de desculpas sincero? Eu tava agindo como um babaca, mas eu reconheço os erros que cometi e não foi só com você - ele encarou o teto por um momento e eu franzi a testa, ainda não gostava dele mas senti sinceridade.

- Tá, só vamos finalizar esse contato e manter apenas o profissional, ok? - ele fez sinal positivo com a cabeça - Você tem certeza que quer isso?

- Não é simples achar outra de você - semicerrei os olhos em sua direção - como advogada, Gabriella.

Dei um meio sorriso e continuamos conversando sobre como ficariam as novas divisões de tarefas do escritório. Ele passaria muito mais tempo em São Paulo por conta de algumas reuniões, e isso era ótimo para mim, pessoal e profissionalmente.
O problema? Contar isso para o Giorgian sem que ele reagisse mal.
Nos despedimos, com um aperto de mãos, e mandei uma mensagem chamando meu namorado para almoçar em um restaurante japonês que ficava próximo ao escritório. Ele demorou uns quinze minutos para responder porque estava no banho pós treino, mas confirmou.

- Como vou falar isso? - perguntava a mim mesma enquanto o esperava, sentada enquanto bebia uma taça de vinho e batia as pernas ansiosamente.

- Como você tá? - me deu um selinho demorado e sentou a minha frente depois de aguardar mais alguns poucos minutos.

- Tudo ótimo - engoli a seco e chamamos o garçom para trazer a comida - Como foi o treino?

- Pesado, mas foi bom, no fim sempre acabamos rindo bastante por lá - sorri em resposta, meu nervosismo nunca me deixava agir normalmente sem levantar suspeitas - Falou com ele?

- Com quem? - respondi no mesmo instante e ele franziu a testa ao me encarar.

- Você tá estranha - deu um gole em sua bebida e eu neguei com a cabeça.

- Não tô, só não sei como te falar - ele não respondeu nada, apenas se ajeitou na cadeira e seguiu me encarando com aquela cara de bravo que ele fazia em campo para o time adversário as vezes - Para de me olhar assim, amor.

- Você vai ficar - ele bateu os dedos na mesa irritado, eu já esperava essa reação.

- Eu posso explicar? - perguntei tentando manter a calma, a comida chegou e ficamos em silêncio até estarmos sozinhos novamente.

- Ele aumentou seu salário? Te falou que vai mudar tudo? Por el amor de Dios - respirei fundo e peguei em sua mão.

- Eu preciso desse salário mesmo que você acha irrelevante, e eu conversei muito sério com ele sobre o tratamento que eu quero entre nós, sem contar que eu vou ter mais autonomia pra fazer as coisas que quero - ele soltou minha mão e olhou para o lado.

- Você gosta dele? - fiz uma careta de indignação com a frase dele, que não ouviu um A do que eu disse.

- Cala a boca, Giorgian - engoli todo o resto do meu vinho em um gole só - Olha o que você tá falando.

- Depois de tudo que você mesma me falou, quer ficar lá porque? - passei as mãos pelo meu rosto.

- Eu acabei de te explicar e você não ouviu nada - falei baixo quando a vontade era de gritar - Ele mal vai ficar na cidade nos próximos meses, e vamos contratar outra pessoa pra me ajudar.

- Não sei - simplesmente disse isso.

- Não sabe o que, Giorgian? - rebati sua frase sem nexo.

- Se eu concordo com isso - revirei os olhos.

- Você não tem que concordar com nada, eu só tô avisando porque te devo satisfações quanto a isso e porque te amo, não quero deixar nada mal resolvido - desabafei com toda sinceridade do momento.

- Se algum dia eu ouvir qualquer reclamação parecida com as que você já fez, ele vai se resolver comigo - começou a comer, nossos pratos já deviam estar quase que completamente frios.

- As coisas vão mudar - ele assentiu com a cara ainda fechada.

- Eu não gosto dele, nunca gostei, mesmo antes de saber que ele era idiota - o encarei e falei a primeira coisa que passou na cabeça.

- Você tem ciúmes dele - ficou parado por alguns segundos e depois deu de ombros.

- Pode ser, mas não gosto - ele parecia menos estressado - Eu entendo você, e respeito suas decisões, desculpa se fui grosso.

- É isso que eu gosto de ouvir - brinquei (nem tanto) e ele riu pelo nariz.

- Quando vamos pegar suas coisas e levar pra casa? - pra casa dele.

- Na sexta eu passo lá e pego tudo que preciso pra levar.

Ele não pararia de falar nisso até eu ir morar com ele, então resolveria essa situação o mais rapidamente possível. Era um passo no relacionamento que me deixava insegura, mas ao mesmo tempo animada.
Continuamos almoçando e com uma conversa leve durante mais algum tempo, e depois fomos até o carro.

- Você vai trabalhar hoje? - neguei com a cabeça prestando atenção no novo direct que recebi no Instagram.

"Rafaella: Lembra de mim? Tô no RJ, quer beber algo mais tarde?
Gabriella: claro que lembro, aquela festa foi memorável
Gabriella: vamos sim! me passa o horário, hoje tô livre"

- Finalmente terei uma companhia feminina pra conversar, já que minhas amigas estão em outro estado e minha irmã comprando as roupas da bebê - era uma menina, e eu farei meu papel de tia babona em breve comprando os presentes.

- Minha companhia é ótima - ri em deboche e ele colocou a mão na minha coxa, como era de costume ao dirigir.

- Mas olhar só pra sua carinha linda o tempo todo, não dá, amorzinho - apertei sua bochecha que riu.

- Vai sair com quem? - perguntou.

- Com a Rafa - ele me olhou com cara de quem não entendeu - Namorada do seu amigo Gabriel.

Ele assentiu enquanto entrava no estacionamento do condomínio onde morava.

(...)

Sirena | De ArrascaetaOnde histórias criam vida. Descubra agora