† CAPÍTULO 04

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Sol Santiago


Lembranças - Hungria
"Os olhos observam, mas o coração que sente..."

"A gente vive nesse morro desde quando nascemos, Kauã. Sabe quantas pessoas já morreram nesta mesma calçada que tamo sentados agora? Centenas. Milhares. Pessoas como nós, que podem morrer a qualquer momento, não pode desperdiçar as chances que têm. Se tem algo que queria dizer, diga logo."

É até engraçado me lembrar que eu mesma disse isso, mas nunca disse porra nenhuma que devia ter dito.

As vezes fico me perguntando porque tudo tem que ser assim.

Por que a vida nos derruba quando menos imaginamos? É uma parada estranha.

Me dá raiva as vezes por não ser capaz de mudar as coisas.

Desço as escadas e vou na cozinha beber um copo de água. Tá chovendo pra caralho lá fora, eu nem escutei barulho nenhum.
Fico olhando a chuva cair até que vejo Gabriel entrar.

- Tá acordada, capeta pequeno? - Ele pergunta.

- Coé, cara de cú. - levanto a cabeça pra olhar ele. - Insônia.

E é a mais pura verdade; faz um tempão que não durmo bem, nem durmo na verdade.

Ele assente e senta do meu lado no sofá, fico em silêncio.

- Qualé, cê tá muito calada. - Observou, como se me conhecesse a anos. - Tá doente?

Dou risada.

- Tô ligada que minha voz é linda, mas não costumo falar uma hora dessas. - Olho pro relógio na parede.

Suspiro e me levanto.

- Boa noite, Gringo. - sorri amarelado.

- Até parece que não sabe meu nome, Soray.

Peraê... Me viro pra ele, que gargalha loucamente - sério, que risada desgraçada de bonita -, não consigo nem formar a frase.

- Quem te disse meu nome?

- Ih, curiosa... - Ele sobe as escadas, mas para bem perto do meu rosto, coloca o dedo na minha boca e fala baixinho. - Relaxa que guardo segredo.

Subo pro meu quarto e despenco na cama.  Espero exatamente dois minutos para rir.

...

Gabe Freitas | Vulgo Escorpião

- Desde quando ele tá te ameaçando? - pergunto a ela, rolando as mensagens.

Quase uma dúzia de mensagem.

- Um dia depois que vim pra cá. - Sol me responde, desviando o olhar.

E não me disse porra nenhuma.

- E tu não me contou, porra? Alguns dos caras sabe, pelo menos?

Ela nega, mais uma vez noto o quanto ela se parece com a desgraçada da mãe, a semelhança me deixa louco.

É como se estivesse com a Solange de novo.  Toda vez que ela fala, que sorri, sinto raiva só por se parecerem.
Papo reto, isso tá me matando.

Abro o celular e tiro o chip, quebrando o mesmo em seguida.

- O filho da puta do Ivan vai tentar alguma coisa.

Abro a gaveta e dou um chip novo a ela.

- Você sabe que ele pode achar meu número em dois segundos, né?

Tô dizendo que é igual a mãe, tenho paciência não, namoral.

- Só não fica dando mole por aí, jaé? - falo e ela concorda.

Fico com uma mistura de tédio junto a uma súbita vontade de matar o Ivan o resto do dia.

Quem ele pensa que é pra ameaçar algum dos meus? Pior ainda, ameaçar ela.

- Tu não devia ler tanto, faz mal pra alma.

Sol levanta o olhar do maldito livro e sorri.

- Assim, véi... Cê num devia fumar, faz mal pro pulmão.

- É uma abusada mesmo. Falei isso não, piranha. - ela ri. - Se tu fosse minha filha já tinha te dado um surra.

- Quase me importei. - sorri. - Mas namoral, ainda bem que não sou sua filha.

Eu ouvi direito?

- Vou te devolver, vaza.

Aponto pra porta.

- Ia falar que consegui um ponto onde tu podia abrir o bagulho e pá, mas tu não merece. Vaza!

Os olhos dela se iluminam.

- Zueira? Não brinca, cara!

Sol praticamente se joga em cima de mim.

- Sai, maluca do caralho. Ô as ideias, boiolagem.

Se tu soubesse das paradas, tu nunca mais ia querer me olhar, quanto mais me abraçar.

Se você soubesse tudo que fiz, Soray, não me trataria assim.

OPOSTO$  [Vol.1]Onde histórias criam vida. Descubra agora