† CAPÍTULO 42

7 4 0
                                    

Um dia depois.

Gabriel Andrade | Vulgo Gringo


- Sério, eu só quero que você me diga o que tá pegando. - ela dá o papo, parando de arrumar a prateleira da loja.

Odeio ter que ficar sustentando as paradas que nem minha é, pô.

Quando ela dá aquele olhar pra mim, quando ela sorri toda manhosa, quando todo mundo me vira as costas e ela continua lá... Ela não merece.

Me sinto mal pra caralho. Me sinto um filho da puta.

- Nada não. Fica apertando minha mente nessas ideia aí.

Sol me encara, medindo minha expressão. Namoral, parece que sabe de tudo só de olhar.
Feiticeira do caralho.
Maluco, isso me assusta.

- Tô dando a ideia, tem nada não. - repito, calmo.

- Gabriel.

Visto minha camisa, sem paciência.

- Vou meter o pé.

- Tá vendo. - ela abre os braços e começa a andar pra longe de mim, mas eu seguro seu braço.

- Vai ficar nessa comigo? Coé, preta.

Ela tenta puxar o braço, mas eu seguro com mais força.

- Tô fazendo nada não, pô. Você que muda do nada com as pessoas. - ela fala alto. - Não vou ficar adulando porra nenhuma não. Vai se foder.

Olho pra ela sério, mas por dentro tô querendo rir, papo reto.

- Que é? Tá me olhando por que?

- Oush, falei nada.... - Solto o braço dela e passo a mão no meu cabelo.

- Fica né olhando com essa cara de bunda aí.

Levanto o dedo e ela ri.

•••

Victor Lima | Vulgo Rato


Não tinha botado fé que ela viria aqui depois de todos esses anos.

Quando os moleque me passaram a visão que Maria tava aqui, senti uma parada estranha pra caramba. Felicidade o nome.

Também não tem como, pô, foi a mulher que me criou. A mulher que me acolheu e me tirou da rua.

Desço as escadas da casinha onde a gente deixa os reféns, e vejo ela encostada no poste, segurando uma bíblia debaixo do braço.

- A bença.

Ela sorri, meio triste, mas eu a abraço.

- Que Deus te abençoe.

- Novidade a senhora por essas bandas... - falo, enquanto a gente anda pra ficar mais afastado dos vigias. - Veio saber do Gri... Gabriel?

Ela nega.

- Já entendi que ele não vai mais voltar a ser o mesmo de antes. Não sei se tem jeito.

- Ele tá melhor que antes. - Maria me olha. - Sol faz bem pra ele.

- Eu sei, mas ele não sabe manter as pessoas boas por perto. Sei que essa garota tem algo a ver com Gabe, o que não é nada bom.

Olho pra ela, sem entender.
Nós dois paramos perto da minha moto, onde eu me apoio.

- Eu fico tão preocupada com isso tudo, Victor.

Nem preciso perguntar pra saber do que ela tá falando.

- Fica suave, tia, nós é macaco velho nesses esquemas.

Maria segura minha mão, me fazendo olhar para ela.

- Só quero que vocês fiquem bem.

- A gente tá... tranquilo.

Ela concorda, deixando as lágrimas caírem.

- Não sabe como isso me assusta.

O choro é de parir o coração.

- Coé tia, vai dá ruim não, belê? Confia.

- Eu realmente espero mesmo, porque eu já perdi um filho pra essa vida, não quero perder outro também.

Sinto uma pontada no peito.
Ela sorri, triste.

- Não posso. Não vou suportar mais isso.

Ver ela falando desse jeito me lembra da minha mãe, mas só por aí me dou conta de que ela nunca foi minha mãe.

Bate na minha cabeça como vivi e a raiva volta a tomar conta.

Mãe é a que cuida, não quem deixa o filho no mundo a miguér da crueldade alheia.

Ela não merece ser lembrada, pô.

Ela só me colocou no mundo, mas nem fez questão de me apresentar ele.

- Eu não posso perder o Gabriel também. Nem você.

Abraço ela de novo.

- A senhora não vai me perder, muito menos o Gabriel. Eu prometo.

- Sei que não. Tenho orado por vocês e tenho certeza que minha oração será ouvida.

Sorrio de lado e ela beija minha testa.

Coé, será que Deus realmente pode ouvir orações? Então por que ele nunca me ouviu?

- Que Deus dê a vocês proteção. - ela fala. - sempre.

- Amém, né?

- É né... - digo, pensativo.

Maria coloca uma embalagem na minha mão.

- Vinte dois anos daqui a três dias, eu quero te ver fazer 23 no ano que vem.

Maria me abraça pela última vez.

- Juízo, meu filho.

Meu filho. Meu filho.
Ninguém nunca me assim.

Sorri, vendo ela se afastar.

Abro a embalagem, revelando um porta retrato cor prata, com a foto de cinco moleques; Eu, Gabriel, Leonardo, Bruno e Neto. Antes do tráfico, antes dos vulgos, antes de tudo acabar.

Quando todos ainda tavam aqui, juntos.

Nada mais é assim.

OPOSTO$  [Vol.1]Onde histórias criam vida. Descubra agora