AL
Milão
27, abril 1997Ao abotoar o último botão que faltava, Al verificou seu cabelo pelo retrovisor do carro, tendo quase certeza de que tinha sido uma má ideia o pentear para trás. O cabelo penteado para trás com gel o deixou com uma aparência mais velha, séria e digna de um chefão. Porém isso não lhe agradava. Talvez pelas memórias que tem de seu pai e principalmente da forma em que trabalhava. Mas mesmo assim, não quis refazer o penteado, afinal, já tinha chegado ao LeClerc.
Então ele saiu do carro, ajeitou-se em seu terno e seguiu em frente rodeado de seguranças. Uma salva de palmas foi dada logo quando entrou. Todos queriam cumprimentar o aniversariante e lhe agradecer pelo convite que a todos era inesperado.
Traficantes, mafiosos, chefes de outras elites pelo mundo, políticos de alto poder dentre outras figuras que o mesmo considerava importante marcavam presença no restaurante. E nem se quer 1 dentre todas essas pessoas se atreveu a faltar. Mesmo que viessem do outro lado do mundo.
Ele acenou para a multidão e subiu ao palco para dar as boas vindas.
— Grazie pelas parabenizações, senhoras e senhores. Imagino que todos aqui me conhecem de perto e muito bem. Imagino também que saibam que não sou muito de fazer grandes festas, somente quando há um grande acontecimento. E estão corretíssimos. Além de comemorar meu aniversário neste restaurante que considero uma das 8 maravilhas do mundo, comemoro também o sucesso absoluto que minha família conquistou nesse último mês. Devo dizer que foi o de mais rendimento em toda minha carreira. Imagino que tenham percebido o envelope com certas quantias. Algumas em notas, outros em cheques. Isso, meus senhores, é resultado de muito trabalho e lealdade à máfia. Acreditem que quiserem, mas 800 milhões de liras foram direto para o meu bolso. Ou melhor, para o de vocês. Aceitem isso como um presente por lealdade e submissão a mim. Buona festa à todos! Aproveitem bastante.
Uma nova salva de palmas foi feita enquanto Fredo descia do palco. A multidão parecia adorá-lo, salvando-o como um rei ou alguma divindade. Mas para falar a verdade, não era menos do que a mídia esperava. Alfredo Moretti não fazia uma festa em no mínimo 15 anos, era um fato ser saudado como um Deus.
Porém, o homem que vinha em sua frente parecia o enxergar como o próprio diabo. Coppola parecia tão hipnotizado nos olhos de Fredo, que nem se quer piscava. E talvez por esse mesmo motivo, seus olhos se encheram d'água. Ou talvez ele só estava arrasado mesmo.
— Buon compleanno traidor. Eu realmente espero que possa te ver sofrer muito antes de morrer.
No mesmo instante, o velho deu um beijo no rosto de Al da forma mais agressiva possível. Por um instante, enquanto observava paralisado Johnny sair com sua família do restaurante. Talvez ele tenha lhe passado a hipnose que se encontrava segundos atrás. Ou talvez, ele só não estava acreditando que tudo foi água abaixo, menos sua sentença de morte.
Ainda com os olhos arregalados, tentando captar exatamente o que acontecia ao seu redor, Fredo simplesmente se virou para trás e disse para Marco:
— Ele sabe. O Johnny sabe. Eu vou morrer, Marco.
X
COPPOLA
Milão
27, abril 1997— Como isso é possível? Eu perdi...- ele leu o formulário de quebra de contrato- 130 cliente pelo mundo inteiro!!- perguntava Johnny à seu contador.
— Eu realmente não sei Johnny. Começou no fim de marzo, com somente 2 quebras de contrato. Mas agora... Realmente não sei o que fazer Johnny, muito menos o que causou isso.
— Mas eu sei. - disse seu filho, o futuro dos negócios Coppola com papéis e estatísticas em suas mãos - Colhi informações com um dos ex clientes e ele não soltou nomes, mas disse que havia um novo homem, uma nova família que acabou de entrar no ramo com drogas mais baratas e mais fáceis de transportar. Parecem ter acordo com alguns políticos, ou dão propina à qualquer um deles que ameaçam abrir uma investigação.
— Dio mio...
— A tal família conseguiu acumular em exatos 1 mês, uma quantia de aproximadamente 800 milhões de liras. Não entendi muito bem o que ele disse mas, parece que o homem que está na nossa frente irá fazer uma festa nesta noite. Se quiser posso pedir para que ele mande o endereço da festa.
— Não posso. Tenho o aniversário de Al para ir agora. Mas peça para que mande mesmo assim, talvez poderemos dar uma passada por lá pelo fim da noite.
Ele concordou e saiu.
Coppola nunca esteve tão possesso. Não fazia ideia de como iria aparentar um bom humor na festa de Al, mesmo assim, ele tentou a qualquer custo
Encheu um copo de whisky e o bebeu em um gole só. Forçou um sorriso de quem estava em perfeitas condições e partiu para a festa tão esperada por ele e sua família.
O lugar estava cheio antes mesmo do aniversariante chegar. Cada uma das mesas tinham nomes de suas respectivas famílias e um discreto envelope de boas vindas que, aliás eram valores exorbitantes de dinheiro.
Não demorou muito para que Al chegasse. Aconteceu logo depois que sua família foi cumprimentar os outros membros da família Moretti, após descolar o aperto de mão dele e Marco, uma salva de palmas foi dada anunciando a chegada do Don.
Então, escoltados por alguns seguranças, ele foi direto ao palco resultando assim um interesse por todos ali para escutar o que o aniversariante teria a falar. Porém ao voltar para sua mesa, seu filho se levantou com um telefone em suas mãos, dizendo que o cliente estava ligando para informar o local da festa do novo traficante. Ele se dirigiu à um determinado e escuro canto para que pudesse ouvir bem a informação.
Então Fredo começou a discursar. Falou que provavelmente todos ali o conheciam de perto e também sabiam que normalmente não era comum que ele fizesse festas, a não ser que houvesse um motivo específico.
Apressado e presumindo que o motivo provavelmente seria seu glorioso divórcio, Coppola nem fez muita questão em ouvir o que ele tinha para falar. Estava mais interessado na ligação que seu filho recebia e raciocinava o porque de seu rosto transparecer somente desespero e tristeza. Ele ergueu a cabeça de longe, lhe perguntando sem soltar se quer uma palavra o que o informante havia dito. Por mais que estivessem longe um do outro, Coppola decifrou por leitura labial, o que foi uma das mais dolorosas palavras que já ouviu.
"LeClerc".
Seu mundo caiu naquele exato momento. Ele olhou para Fredo com o maior olhar de repugnância e traição que alguém já tenha olhado. Seus olhos ao mesmo tempo que queriam encher de água de botá-las para fora, saia a procura de qualquer arma que pudesse o matar.
Mas ai ele percebeu que não seria capaz de matar uma mosca naquele estado. Já que seu corpo inteiro formigava, suava como um porco, até ar lhe faltava naquele momento.
Sua esposa lhe perguntou apavorada o que tinha lhe dado, mas sem nenhuma resposta. Ele não conseguia falar se quer, mas ele sentiu que mesmo se não pudesse matar Fredo, tinha que dizer o que sentia. Mesmo que fosse um ato de total burrice e poderia muito bem assinar sua sentença de morte, ele juntou toda a angústia e fez uma mistura com o sentimento de traição, o que lhe deu forças para se levantar.
Então ele começou a andar como um zumbi na direção de Fredo, tentando olhar à sua volta com clareza, mas ao invés disso via apenas vultos e pessoas praticamente apagadas. O único que ele enxergava com nitidez, era o que ele jurava não querer ver mais.
Coppola prendeu suas mãos ao rosto do traidor, o beijou no rosto e com uma voz grossa para não aparentar choro ele disse em seu ouvido:
— Buon compleanno traidor. Eu realmente espero que possa te ver sofrer muito antes de morrer.
Coppola o largou após o feito, e seguiu na direção da porta, pensando agora em qual seria o próximo passo. Haviam muitas alternativas naquele momento, porém ele decidiu usar a cabeça pelo menos por aquele momento. Uma ligação era o primeiro passo, e dizer um nome era o segundo.
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...