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APOLLONIA

Milão
14, junho 1997

"Se conseguir enxergar Fredo ao se ver pelo espelho, não sentirá tanta falta assim."

Mesmo depois de quase um mês passado, a tal frase ainda circulava em sua mente, como uma verdade que Apollonia não sabia como cumprir.

A imagem que via ao espelho, de forma alguma lembrava a quem queria lembrar. Afinal Aléssio não se aprofundou nas palavras ditas. Não especificou se era por dentro ou por fora que essa semelhança havia de aparecer, muito menos argumentou de uma maneira mais válida e clara após aquele dia.

Ela tocava seu rosto ao espelho, tentando imitar certos gestos que Al costumava fazer. Puxou o cabelo para trás, fez certas expressões marcantes e até fumou um cigarro, mas da mesma forma, não conseguiu ver Fredo. Talvez a visão embaçada de lágrimas possa ter dificultado a percepção dela, mas de qualquer forma não poupou a si mesma da dor de não o ter por perto, nem saber como de fato vê-lo nela.

Entretanto, de certa maneira ele se mantinha dentro dela. O pânico e a ansiedade que faziam Fredo ser como todos conheciam, parecia ter lhe contagiado. Da mesma forma em que à meses atrás ele não havia tempo se quer para dormir, com ela acontecia a mesma coisa. A necessidade de comandar tudo por suas próprias mãos se tornou dela. Acordava 5 horas da manhã todos os dias, e dormia ás 2 da madrugada, gerenciando as 60 facções que tinha posse.

E naquele mesmo banheiro da casa Palermo, Apollonia sentia na pele a maldição e consequências de ter escolhido tal ramo de trabalho. Ela estava em pleno mar de lágrimas. Seu rosto parecia ter sido molhado com água, os olhos vermelhos e inxados, mesmo tendo fumado somente cigarro comum.

Mas houve de se conter. Pois sabia que se quisesse vê-lo em seus olhos, teria que agir como ele, se portar como ele e pensar como ele. Assim como o próprio havia lhe ensinado quando retornara à Milão, meses atrás. Então limpou seu rosto, acendeu outro cigarro e forçou um semblante calmo, porém sério e firme. Talvez convicto demais para uma pessoa tão insegura quanto ela.

A porta do banheiro se abriu discretamente, e pelo outro lado Apollonia observou o dia em seu natural estado. E para sua preocupação, estava nublado. A neblina naquele dia cobria todo o horizonte, sem que fosse possível achar 1 pessoa em meio à cidade. Mas como em um dia normal, não tinha tempo para ficar em casa. O tempo que havia gastado surtando no banheiro já foi o bastante para se atrasar para a reunião que teria com um dos chefes de família da Itália.

X

Grazie mille, Santa Apollonia. - era assim que a chamavam agora.

Prego. Só peço para que se confilie a mim para qualquer favor que precisar.

— Claro! Basta me telefonar e farei o que for necessário.

De Santis saiu de fininho, como um pobre assustado que dirigiu a palavra à alguém de um poder maior que o dele. E na verdade todos dentre as outras famílias eram mais poderosas que ele. Até mesmo Coppola em sua fase pobre latino era mais poderoso que ele. O que ocorre na verdade, é que De Santis assumiu uma posição pouco aceitável na sociedade dos mafiosos. A prostituição.

O velho apesar de aparentar simpatia e doçura, era um cafetão desgraçado. Suas prostitutas andavam sempre machucadas, drogadas e em alguns casos mortas.

Apollonia sabia que Al odiava o velho com todas as suas forças, mas ela não ousou causar mais intriga do que já tinha com a elite das máfias. Então aceitou o pedido que o velho havia lhe feito, mas é claro que encontraria alguma forma de o expulsar do comitê após ele pagar sua dívida e Fredo retornar à Milão.

Os Solitários de 1997Onde histórias criam vida. Descubra agora