FREDO
Roma
26, agosto 1997Seus olhos estavam inchados e por mais que estava em pedaços, sentiu que havia chegado a hora de para de chorar. E sem querer, ao ver sua tatuagem no espelho, lembrou de quem ele realmente era. Ou pelo menos de quem ele tinha que parecer.
O semblante de ragazzo Fredo havia sumido, deixando lugar apenas para o poderoso Don, que com toda coragem do mundo apunhalou a navalha e cortou sua barba por inteiro. Além disso, como se já não estivesse se sentindo estranho o suficiente, aproveitou que a tesoura se encontrava por perto e aparou o cabelo, que por pouco não chegava ao ombro.
Depois que se livrou do peso que a maldita barba carregava com um belo banho, Al deixou de lado qualquer roupa que usou desde que pisou os pés em Roma. O moletom preto, a camisa bege e a calça jeans estavam completamente fora de questão. Fredo buscou em seu pacato guarda-roupas ao invés disso, seu melhor terno que tenha trago, junto com o par de sapatos mais brilhantes que achou.
Então vestiu, se olhou no grande espelho e sentiu-se como achava que deveria. Assim, pegou sua maleta cheia de dinheiro numa tentativa sucedida de manter o personagem, e seguiu pela multidão de Roma acompanhando as várias almas pelo mar da morte, sem saber quando seria o grande dia, mas suplicando que seja o mais perto possível, para que pelo menos possam descansar do "ir trabalhar".
Porém Fredo não era uma delas. Ele pedia a Deus que se hoje fosse o dia dele, o deixasse dar sua tacada final, para morrer em paz. E realmente parecia que as rezas fizeram efeito, pois chegou à lanchonete que Mona, ou melhor, Ângela trabalhava sem nenhum contratempo.
Ele parou um instante antes de abrir a porta, garantindo se realmente estaria fazendo a coisa certa. E chegou a conclusão de que não era, mas mesmo assim, ele abriu e entrou. Afinal, parecia ser a única coisa que o deixaria voltar para Milão sem o sentimento ruim de haver de falar algo.
Encontrou de prontidão ela, ao mirar seus olhos na primeira garçonete que viu. Ângela atendia de costas para ele, um senhor que gastava seu dinheiro no pior doce que havia naquela droga. E depois de muito pensado e de vários olhares direcionados a ele, deixou sua maleta em cima da mesa próxima à porta e seguiu na direção da moça.
Ele virou-se para ele, e antes que pudesse o expulsar, ou falar qualquer coisa, ele se permitiu pelo menos por uma última vez, a beijar. Ela no entanto, não se afastou. Foi natural e tão doloroso ao ponto de Fredo não ter certeza de que aguentaria falar as palavras ensaiadas por ele a manhã toda. Então decidiu abandoná-las, já que metade havia desaparecido de sua mente. Assim, ao descolar as duas bocas presentes, ele optou por dizer uma coisa mais simples:
— Eu sei quem você é, Ângela. Você me matou antes do cigarro. Antes do seu pai. Ou do suicídio. E eu ainda amo você, apesar de ser a minha solidão eterna.
Al a soltou, lhe deu as costas e seguiu olhando para frente, pois sabia que a aquela altura, não poderia voltar atrás. Até que quando já estava ao lado de fora, sentiu seu passos pesarem ao observar ao redor de si mesmo. "Tem alguma coisa estranha aqui" pensou ele antes que o tiroteio começasse.
Al por sorte conseguiu se acomodar por detrás de um dos carros ali em frente. Ele sabia que o alvo era ele. tinha certeza disso, já que os tiros que estavam vindo na tentativa de atravessar o carro para pega-lo o deixavam mais convicto disso.
Porém, por sorte ou não, não demorou muito para que a multidão que estava dentro da lanchonete, e a outra que estava fora dela entrasse em desespero, correndo para fora, confundindo e cancelando qualquer outra chance que os atiradores teriam para acertassem Fredo. Logo, antes que a polícia chegasse, Al fugiu pelo beco estreito ao lado da lanchonete, sem que não houvesse ninguém atrás, a não ser um pequeno garoto que aos 6 anos, corria bem mais rápido que um velhote de 30 anos.
X
Al estava longe do acontecido, e depois de se esconder em moitas um dia inteiro, resolveu tentar a sorte e arranjar um quarto de hotel. Pelo dinheiro que carregava consigo, Palazzo Manfredi parecia a melhor escolha naquele momento. Afinal, nada mais burro do que se hospedar no hotel mais caro da cidade. Coppola sabia que Fredo era inteligente o suficiente para procurar o hotel mais fodido para passar a noite, a não ser que Al fosse mais inteligente que ele. E era.
— Eu quero uma reserva para essa noite.
O atendente pareceu o reconhecer, tanto que nem lhe perguntou seu nome, apenas lhe entregou o cartão de entrada para que o mesmo pudesse subir para o quarto.
— Não falarei que está aqui, coloquei em nome de Alejandro Mancini, só não arrume encrenca. - ele ficou sem reação alguma - Tenha uma boa noite, Don.
— Eu lhe beijaria agora mesmo se eu não estivesse com muito medo, mas obrigado. - disse em tom de brincadeira, o novo projeto de Don.
Ele subiu o mais rápido quando um foguete em direção à seu quarto, e logo quando entrou, não se preocupou em jogar sua maleta com mais de 36 mil liras. Buscou logo um telefone e discou o número de Apollonia, ainda mantendo esperança de que a mesma o atendesse.
— Apollonia Palermo, quem fala?
— Lônia!! Ah Dio mio, è Fredo! Olha, quero me escute com atenção: houve um tiroteio essa manhã e eu era o alvo. Eram os homens do Coppola, eu sei disso. Então tome cuidado, não quero que...
— Tiroteiro?!! Como assim tiroteio??? Você está bem? Ah Dio mio... DANTE!! MANDE QUE ALÉSSIO APRONTE AS COISAS JÁ!!
— Eu estou bem. Estou em um hotel de frente para o coliseu. Está tudo bem. Mas antes que aconteça mais alguma coisa comigo... Eu quero que sabia que eu ainda te amo. E se ainda estiver ai pra quando eu voltar... -ele tentou ao máximo parecer convincente.
Houve um silêncio esperado naquele momento, de forma que não sabia como, mas que foi possível sentir que talvez Apollonia estivesse sorrindo ao outro lado.
— Eu sei. - disse ela - Não deve ser tão fácil assim me esquecer em... Quatro meses... Ah Dio, 4 meses?... Me perdoa...
— Está tudo bem. Converse com Aléssio sobre o que lhe contei e arrume um jeito para que eu possa voltar até o final da semana, certo?
Apollonia consentiu e a ligação foi encerrada após Fredo ter dado instruções a ela do que fazer. Tudo parecia ter voltado ao normal, do mesmo modo em que ficou tudo diferente. Afinal, ele ainda carregava o peso de ter matado Vincent e agora dizer que ama Apollonia. Mesmo assim, ele decidiu não fazer muita coisa além de tirar seu caderno de anotações da maleta e construir a si mesmo passos do que fazer na conclusão final do plano inicial.
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...