APOLLONIA
Milão
28, agosto 1997Ela o observava dormir de bruços, encostada no batente da porta do antigo quarto de Aléssio, já que o de Fredo havia sido destruído pelo seu próprio irmão. E apesar de não estar triste, felicidade também não era um dos seus sentimento mais predominantes. Apollonia temia os próximos passos que o dorminhoco poderia dar em relação aos negócios. Mas, decidiu deixar essa preocupação para outra hora e resolver outra mais preocupante: as drogas escondidas pelo quarto dele.
Então houve de se apressar, antes que a reforma fosse feita. Apollonia pegou a LSD detrás do guarda-roupas, a maconha debaixo na cama, a cocaína por entre as gavetas da mesa e por fim, a heroína embaixo da pia do banheiro. Afim de garantir que ninguém veria o que ela amontoava, pegou um saco preto de lixo e o levou até o lado de fora, o deixando por fim, na grande lata de lixo ao lado de fora da casa.
X
"Devia ter falado para que Dante atirasse no peito" disse Apollonia ao se deparar com o caixão de Aléssio fechado por causa do tiro no meio da testa. E ao terminar seu irrelevante questionamento sobre onde deveria ter mandado atirar, cortou seu coração ao se deparar com Fredo chegando com os olhos avermelhados e claramente destruído.
Ela não havia muito o que fazer. Todavia seria menos suspeito se o consolasse, mesmo que ele não pareça querer ajuda, ou parecer um coitado. Por mais que os 4 meses perdidos em Roma possa ter um recomeço para cada um dos dois, há certas coisas que nunca mudam. E Fredo continuava sem se abrir com as outras pessoas, com medo de que elas zombem ou diminuam sua dor. Ela não o culpou e nem o julgou, afinal, estava cada dia mais parecida com ele, mesmo que não quisesse.
No entanto, mesmo aparentado ter chorado ele não repetiu o ato em frente à Apollonia. Apenas sorriu e mirou seus olhos ao morto, mesmo que não fosse possível o ver. Então se virou novamente para a moça dos olhos castanhos e fez uma pergunta tão dolorosa, a ponto dela sentir remorso pelo que fez. Não por Aléssio. Mas pelo último irmão que restou.
— Ele sentia falta de mim?
Pobre Apollonia... Aquela pergunta quase a fez desabar como uma criança. Mas ainda tinha que responder de um jeito que pareça convincente, mesmo que a cada mentira, seu coração se remexia, com um incômodo enorme de estar, em pleno dia, enganando quem não queria.
— Sentia. Ele sentia sim.
Ele sorriu com os olhos cheios d'água, porém ao perceber que Apollonia percebeu seu choroso semblante, deu um último toque ao caixão de seu irmão e seguiu em frente após dizer a moça ali parada, que visitaria o resto de sua família.
X
DON'AL
Todos os túmulos estavam incrivelmente limpos. Os funcionários do cemitério haviam feito um bom trabalho dessa vez. O nome de seus pais e seus irmãos estavam limpos o bastante para que Al chegasse a conclusão de que foi necessário limpar, muito provavelmente por um ato de vandalismo nas grandes pedras ao chão. E por incrível que pareça, não culpou nenhum de seus inimigos por isso. Milão inteira não era nada fã do nome Moretti.
E apesar de terem votado para que Fredo ganhasse o lugar de homem mais bonito daquele ano, garantiu a si mesmo que isso não era uma forma de dizer "Gostamos de você, Fredo" e sim algo como "Morra Al!! Mas me foda antes disso". Al costumava pensar que esse tipo de mulher geralmente eram as vagabundas do De Santis, que votaram nele a mando de seu chefe. Mas quando avistou o pequeno grupo de mulheres e adolescentes o comendo com os olhos, lançou um questionamento aos céus, esperando nada alegre pela resposta:
— Dio... O que eu fiz pra merecer isso?
Então, com suas pernas coçando para fugir dos olhares das mesmas moças que o acenavam de longe e que gritavam como hienas após o mesmo responder o cumprimento o mais confuso possível, Fredo se despediu de sua família e pediu desculpas. Desculpas porque sabia que se não tivesse saído do exército, Aléssio provavelmente estaria no comando até os dias de hoje, e haveriam muitos menos velórios. Todavia, sabendo que não haveria o que fazer no fim das contas, seguiu para fora do cemitério sozinho desta vez, mas com destino bem marcado.
Casa.
X
APOLLONIA
5, setembro 1997Estavam todos reunidos no escritório de Fredo. Apollonia, Al, os capangas e até mesmo Tom, o antigo advogado da família, que exercia trabalho principal quando Aléssio não era formado. O velhinho era realmente uma boa pessoa, e pelo o que ela sabia, Tom os cuidou dos Moretti como filhos.
Al não estava nada feliz, mas não era tristeza do que ele aparentava. Ele estava zangado como uma criança após a mãe lhe dar uma bronca. O que ocorreu de fato ela não sabia, mas tinha certeza de que era relacionado a sua não permanência no trono Moretti. Principalmente após o ragazzo soltar:
— Bom, já que estou de volta acho que chegou a hora de retornar aos negócios também.
— Não. - disse ela de prontidão, sem nem esperar o palpite das outras pessoas ali presentes.
— Ahm... - Al parecia tão confuso, que soltou um pequeno sorriso de nervoso- O que?
— Você não vai voltar a dirigir isso. Ou quer ver 1 bilhão e meio de liras serem levados enxurrada abaixo?
Ele pareceu realmente nervoso, tanto que não ousou em manter seu cigarro aceso, ou apagaria em alguém ali. Apollonia não duvidava de que seria nela.
— Você está me impedindo de comandar os negócios da minha própria família? Eu não... Que merda você está querendo dizer?
— É exatamente isso. Fredo você não vai tocar um dedo nesse dinheiro até que eu morra. Isso vai levar um bom tempo, a não ser que você me mate primeiro. Caso contrário, assim será.
Ele não esboçou reação alguma em um primeiro momento, então, pouco antes de perceber que surtaria ali mesmo, apunhalou seu casaco e saiu não só do seu escritório, mas também de sua casa. Sem falar se quer quando voltaria.
Apollonia não se preocupou muito, no fim das contas. Afinal, havia outra coisa que lhe deixava mais apreensiva naquele momento. Então, encerrou a reunião dizendo para buscarem as coisas de Fredo em Roma dali duas semanas, para que ele não ache que ela está cumprindo com suas vontades.
Todos saíram por fim. Ela ficou sozinha no enorme escritório, percebendo a merda que havia feito, desde o momento em que teve sua primeira recaída. Seu corpo inteiro estava tremendo, mas não era medo e muito menos frio. E mesmo que tentava, não conseguia conter o pânico e o choro, que mesmo silencioso para que não causasse perguntas aos capangas, doía mais do que qualquer coisa. Surgiria de volta, no momento em que ela achasse que é forte o bastante para aguentar a vida como ela é. Tudo aquilo duraria pelos prováveis últimos segundos de sua vida, fazendo dela, uma serva da heroína.
Abstinência.
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Os Solitários de 1997
RomansaEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...