FREDO
Milão
16, março 1997Fredo tinha acabado de se vestir quando Aléssio bateu na porta.
— Quem é?- perguntou.
— O padre.
Não havia para onde correr. Seu irmão iria perceber a bagunça que se encontrava o escritório, o cabelo bagunçado e os milhares de papéis pelo chão. Mas por fim, o deixou entrar, mesmo que houvesse a possibilidade de brigarem novamente.
— Dio, ou foi muito bom, ou a briga foi feia. - disse Aléssio reparando no chão.
— O que? Ah Dio mio, và a fottere, Aléssio!! Que merda veio fazer aqui?
— Calma princesinha do papai, só vim entregar os recibos. Sabe para onde Apollonia foi?
Alfredo ajeitou-se de alguma forma na cadeira, pegando uma das diversas canetas debaixo de seus pés.
— Resolver aquela... -disse se esforçando para alcançar os recibos no chão- Coisa, com o Rizzo. Ela lhe disse alguma coisa?
— Olha, não vou mentir para você, fratello. Ela parecia um pouco furiosa.
— Ah Dio Santo... Chega. Acabou.
— Acabou o que? Você e a Apollonia?
— Eu e Kate.
X
Ele nem se deu o trabalho de esperar Kate voltar do tal clube do livro. Estava possesso, decidido e farto de sua esposa, não havia nada que o impedisse. Nem que fossem necessários 5 anos de julgamentos e tempo perdido, ele não arriscaria deixar para depois, algo que ele não tinha certeza que poderia fazer amanhã.
Chegou à tal casa que Kate havia lhe falado dias atrás, bateu na porta e viu de longe, através do reflexo da porta de vidro, uma senhora baixa e velha com um livro em suas mãos.
— Bounasera minha senhora, a Kate está?
— Ah... Ela está sim- a doce senhora abriu um sorriso simpático sem igual-, qual seu nome meu filho?
Ele não esboçou uma primeira reação, mas relevou o vexame. É muito normal que uma velhinha de no mínimo 90 anos não saiba quem é Alfredo Moretti. Porém, tinha certeza de que a mesma sabia de cor o nome de todos os galãs que estrelavam filmes e telenovelas na época.
— É Al, vovó.
Ela chacoalhou a cabeça e seguiu feito uma tartaruga para chamar a futura divorciada.
Ele esperou cerca de 3 minutos até que ela saísse de lá. 2 deles já garantidos na maratona que a pobre velhinha havia feito para trazer a notícia.
— Al? O que faz aqui?
— Precisamos conversar.
— Sim, precisamos conversar, seu merda. Minhas amigas me contaram que você foi visto aos beijos e abraços com a tal da Apollonia, no mesmo dia em que ela chegou na cidade!! Não foram boatos Al, elas me mostraram a manchete!!!- gritou
— Kate eu estou farto de seus surtos, berros e crises de abstinência, ouviu? Farto!!
— Vai fazer o que? Cortar meu salão de beleza? Vai me deixar feia e triste, Alfredo?
— Kate, eu quero o divórcio.
Ele sabia que ela surtaria. Querendo ou não, o que Kate mais gostava depois que fazer comprar em lojas de departamento, era chamar atenção.
— O que?! Como pode me dizer uma coisa dessas?! Depois de tudo que fiz por você, pelo nosso amor, pelos nossos filhos...
— Que amor? Que filhos, Kate? - interrompeu- Você não me ama, isso é fato. Pode pensar que tem a capacidade de me manipular, dizendo que me ama e tudo mais... Mas vamos combinar Kate, quando diz que me ama parece que procura alguma outra palavra para substituir, ou completar a frase. Eu achei o complemento que faltava.
— Não há o que complementar, Al!! Que droga, eu te amo!! Te amo mais que minha vida, Al...
— Isso me soa como "Te amo mais que minha vida, dinheiro do Al..."
— Não diga isso... Por favor não desista de mim...
— Conversei com seus pais ao telefone enquanto vinha pra cá, eles vão lhe abrigar por quanto tempo for necessário. Sobre suas coisas, De Rosa as levará para a casa de sua mãe. Quando estiver com os papéis em mãos, te mandarei pelo correio.
— Não Al, não me jogue naquele lixo que é a casa dos meus pai, eu imploro!! Você sabe que não me dou bem com as pessoas que os rodeiam ali.
— Por quê? Por que é um bairro mediano e não tem nenhum shopping perto? Não se preocupe Kate, você provavelmente não vai ter tanto dinheiro para gastar.
A cada palavra ele se afastava, tentando tirar Kate de seus pés para enfim ficar livre de pelo menos 1 de seus 1.000 problemas.
— Tchau, Kate.
Ele entrou no carro e depois disso, não olhou para trás. Ela tentou, se esforçou e até correu alguns metros para tentar alcançar o carro, ou fazer que ele parasse. mas nem sua corrida, nem mesmo seus gritos por perdão foram suficiente para que Al ordenasse que Dante desse meia volta.
Ele não queria pensar nas possíveis consequências. Não queria pensar que muito provavelmente Kate faria de tudo para conseguir até a última lira que Al pudesse ter. Não queria pensar pois de qualquer forma, ele já havia feito o que disse que faria, mesmo sem tempo. Então ele apenas acendeu um cigarro.
X
Apollonia não quis muito papo, apenas lhe entregou depressa os papéis onde Rizzo deixava a família Moretti como segunda mandante na Elite Italiana e disse:
— Está feito.
— Quais são as condições? Propina por uns... 2 anos?
— E que importância isso tem? Vai mata-lo daqui poucos dias mesmo.
Ele fechou a cara.
Ali mesmo, a poucos segundos atrás, sua garganta coçava para falar a grande novidade, que talvez não assumidamente poderia animar Apollonia. Entretanto depois disso, ele parou, pensou e chegou a uma conclusão, talvez mais um questionamento a si mesmo, mais um para dividir lugar entre os 9.300 outros autoquestionamentos.
"Eu voltei para 1984 ou isso é uma ilusão?"
De qualquer modo, nenhuma palavra foi dita. Nem por Al e muito menos por Apollonia. Ele olhou para a janela, procurando qualquer coisa para aliviar seu estresse e raiva. Até que quando mirou seus olhos novamente para ela, viu apenas um vulto saindo pela porta à fora.
Não havia muito o que fazer. Então ele apenas encheu uma taça de vinho e acendeu um charuto daqueles Cubanos.
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...