APOLLONIA
Milão
22, maio 1997Apollonia teve a certeza de quem seria o verdadeiro culpado pelo mundo ter suspeitas de onde Fredo passava nas últimas semanas. Ela mesma.
Por mais que ainda lembre de ter escutado o que falou no depoimento para o departamento, quem garantiria que a heroína e a LSD não afetava também a audição? A culpa lhe consumiu em um nível extremo, mesmo que já estava feito, buscava achar um modo de reverter tal situação, mas sem nenhum sucesso.
Na banheira de sua casa estava e por lá ficou por horas, quase que um dia inteiro. Sentindo tanto o efeito da maconha, quanto a da heroína. E quando passava, chorava sempre ao se lembrar que havia colocado seu amor no caminho para a morte, praticamente sem obstáculos para Coppola. Mas é claro que ela não conseguia ficar se quer 5 minutos após o efeito passado. Então sempre que sentia uma lágrima descer sobre seu rosto, era sinal de que havia chegado a hora de usar mais. Repetindo esse ciclo por volta de 4 ou 5 vezes.
Ela se drogou das 6:00 da manhã até ás 14:00 da tarde, esperando ansiosamente por uma overdose das impossíveis de sobreviver; para que se de fato pegarem Fredo, não estaria viva para sentir a dor que lhe mataria o suficiente para continuar viva, sem forças nem mesmo para se matar.
Porém, para sua infelicidade o telefone que tocava desde o meio-dia ainda não tinha desistido. Então Apollonia apenas aceitou que provavelmente aquele dia não seria o de sua morte.
— Palermo, quem fala? - disse a moça dos olhos avermelhados.
— Lônia!! Estou lhe ligando desde o meio-dia!! Por onde andou?
E por mais chapada que ainda estivesse, não foi difícil reconhecer a voz de Aléssio.
— Desculpe eu... Estava cuidando do jardim.
— Bom, liguei porque o velório do Marco já teve início. Achei que gostaria de saber.
— Claro! Ah Dio, claro... Me espere ai, não vou demorar muito.
X
Ela tentou a todo custo esconder seus olhos avermelhados e sua aparência que não estava nada agradável naquele dia, mas compreensível por estar em um velório. Escolheu ir de preto, claro. Buscou no guarda-roupas de Fredo entre os poucos ternos que ele deixou para trás, um que lhe coubesse de forma adequada para aquele dia.
Não haviam mais de 5 pessoas na cerimônia de luto. Aléssio levou a ideia de segurança em um nível realmente sério. Mesmo que o pilar dos negócios se encontrava seguro - ou não - em Roma.
— Buonasera, Lônia.- cumprimentou ele.
Ela viu Marco de longe, pois afirmava que já não havia muita água em seu corpo para as gastar chorando mais. O que não aliviou de modo nenhum a dor de ver il ragazzo ali. Apollonia chorou como uma irmã que via o irmão em um caixão, sabendo que por baixo naquele terno preto haviam somente buracos enormes de tiros. Mas, apesar disso, seu rosto estava intacto. Ela se permitiu aproximar um pouco mais de Marco, analisando com cuidado e zelo cada traço do rosto que depois daquele dia nunca mais veria.
Ele estava lindo, em hipocrisia com o contexto. Sua pele aparentava tão lisa quanto a de um bebê e apesar da boca pálida, o semblante do bruto ragazzo mantinha uma impressão inocente.
— Você nunca fugiu, fratello... Fique em paz. - murmurou baixo ela em seu inútil ouvido.
Apollonia sentiu-se abraçada por Aléssio desde o momento em que se ergueu novamente. Os braços dele contornaram seu tronco em uma tentativa de fazê-la acalmar, ou se confortar, talvez.
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Os Solitários de 1997
Roman d'amourEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...