PARTE III
FREDO
Roma
29, abril 1997Havia uma sombra escura em formato de homem em meio á multidão de Roma. A figura caminhava discreta e tristemente pelas ruas e avenidas, observando por seus cansados olhos a cidade iluminada repleta de pessoas sem luz.
Ele passou em frente de alguns comércios abertos naquela noite, porém luz alguma dentre todas as que davam clareza às loja foram eficaz o bastante para iluminar a sua escura alma.
A tal figura era Fredo. Que consequentemente após a morte de Marco, se sentia invisível. Era como se as outras pessoas ao seu redor seguissem suas vidas caminhando o mais rápido e firme o possível, enquanto ele ficava parado. Mas de forma alguma buscou correr mais rápido que elas. Deixou que pelo menos em outra cidade, com pessoas que não se importavam sobre quem ele seria e o que estaria sentindo, que o olhar triste e pesado transmitisse seus reais sentimentos.
Culpa.
Culpa pois lembrava que a meses atrás, quando de repente surgiu uma nova oportunidade de reerguer os negócios, nunca imaginou que acabaria assim.
Mas por quê? Ele se perguntou. Talvez por conta do barulho da multidão não foi possível encontrar uma resposta concreta, que fizesse sentido com tal acontecimento. "Não era pra ter sido assim", ele insistia. Porém por mais que ele se mantinha a se questionar sobre a morte, não chegava a caminho algum, a não ser culpar a si mesmo por ter aceitado a proposta do Marco.
Mesmo que por um lado já havia chegado à conclusão de que teria um traíra dentre seus clientes, não era essa a resposta que buscava. O "por que" se referia a própria morte. Por qual razão pessoas morrem todos os dias? Elas já têm conhecimento disso? Haveria um dia específico para todos nós quando morremos? E qual seria esse? E se sim, por que justo aquele dia?
Pobre Al, fazia tantas perguntas a si mesmo que não tinha capacidade para colocá-las todas no papel. Então escreveu uma coisa mais simples no pequeno caderno de anotações que trazia consigo.
"Saber quando, como e porquê."
X
Depois de finalmente conseguir abrir a porta enterrada do apartamento de Aléssio, não foram necessários mais que 10 segundos para Al perceber que não havia, de modo algum, condições de construir uma família naquele lugar, assim como seu irmão buscava fazer à anos atrás, antes de sua mulher "viajar" para bem longe. "Ela o mandaria pro inferno" pensou ele.
Fredo caminhou por todos os cômodos que não eram nada longe um do outro, analisando cada pequena parte do muquifo que moraria por algumas semanas, meses ou até temidos anos.
As luzes eram fracas e amareladas, as paredes desgastadas, pintadas numa cor meio verde. A sala era anexada com a cozinha em um corredor grande, depois, virando ao lado esquerdo havia um quarto que além de sujo, não tinha se quer um colchão aceitável para se deitar. Mas apesar disso, havia um banheiro perfeito para chorar como uma pobre criança solitária.
Voltando para a cozinha sem interesse total em saber qual seria a visão da varanda, Fredo correu para a geladeira pensando por 1 milésimo de segundo, em ter alguma comida. Mesmo sem nenhum ser humano ter entrado ali a pouco mais de 5 anos.
Visto isso, Al deduziu que teria de ir ao supermercado.
X
Ele riscava cada ingrediente conforme os colocava na pequena cesta. Sobrou apenas o último item e provavelmente o mais importante: o vinho tinto.
Havia um corredor inteiro repleto de vinhos, de quase todas as partes e regiões da Itália e do mundo. Ao fim do corredor estavam os mais refinados e antigos, mantendo os mais caros na visão dos olhos e os mais baratos na última fileira. Fredo buscou com os olhos o vinho que havia comprado um mês antes de seu aniversário, mas sem sucesso.
Porém seu pensamento crítico foi interrompido por uma mão que o cutucou por detrás, acompanhada de uma voz doce e fina, nada familiar.
— Com licença, o senhor por acaso sabe onde fica os vinhos brancos?
A mulher era um pouco mais baixa que Fredo, tinha os cabelos crespos e olhos castanhos claros. E apesar de ter feito apenas uma pergunta sobre vinhos, parecia demonstrar grande simpatia.
— Acredito que virando à direita você os encontre. - ele respondeu.
Ela o agradeceu sem usar palavras e ajeitou sua bolsa de couro conforme o grande casaco de pele a fazia deslizar, seguindo calmamente pelo lado direito conforme as instruções do Al.
E por coincidência ou não, logo quando virou seus olhos novamente para a grande prateleira, viu de perto e com clara visão, o rótulo chamativo do vinho que buscava.
X
Ele colocou as sacolas sobre a mesa e tirou-os um de cada vez, os colocando sobre o pequeno balcão que ali estava diante a ele e foi se preparar para fazer o que tanto esperou.
Prendeu seu cabelo, lavou bem as mão e começou preparando os ingredientes lembrando de cada passo que um dia distante de sua infância, sua mãe havia lhe ensinado a fazer seu prato favorito.
Começou preparando o molho de tomates, seguidos das berinjelas tostadas na frigideira com azeite. Ele se sentiu em 81's mas não decidiu levar tal preparo como uma lembrança de momentos bons e um modo de aflorar mais ainda sua saudade. E sim como um recomeço, aceitando do modo mais dolorido o possível que talvez viveria em tal situação para todo sempre, até que toda sua família e seus negócios estejam mortos ou falidos.
Apesar disso, escolheu se preocupar mais com o macarrão fervido do que com seu futuro próximo. Fredo pegou com cuidado la pasta e a misturou com o molho e a berinjela, formando uma coisa só. Depois mexeu por alguns minutos e quando não aguentava mais sentir o cheiro da comida sem poder comer, apenas finalizou rapidamente com folhas e temperos que havia comprado.
Ele duvidou de primeiro momento, que a cadeira que havia ao centro da cozinha era de total confiança, mas mesmo assim ousou se sentar ali e colocar o prato de louça antiga sobre a mesa de madeira. Al por surpresa, conseguiu achar o controle da pequena TV que estava a pouco mais de um metro da mesa onde estava sentado. Ele a ligou e rapidamente abriu a tão esperada garrafa de vinho tinto.
— Vocês têm dúvidas do que pode ter acontecido?- disse Brad Connor pela TV. - Pois eu tenho plena certeza de que o tal Moretti está se tremendo de medo do grande Coppola!! Posso falar muita besteira em certos momentos senhores, mas garanto que daqui poucos meses Johnny será o grande chefão das máfias da Itália!! E sabe o que ganhamos com isso? Paz e harmonia!!! Rezemos para que daqui poucos dias Alfredo esteja a sete palmos debaixo da terra!!
Al franziu o cenho. Ele de fato não acreditava que esse era o velho que a poucos meses atrás dizia a Marco que não havia necessidade de o matar.
— Está falando de mim? - perguntou para a tela enquanto dava sua milésima garfada. - Somos somente eu e você aqui, Connor. Tem certeza que está falando de mim? Quer dizer, se eu fosse você não faria isso.
— Veja bem, eu não sei se Don'Al está vendo isto agora, mas se estiver: Vai se foder Italiano safado!!!
— Ah Connor, Lamento lhe informar isto mas... Você acaba de assinar sua sentença de morte... - ele largou o garfo e apunhalou o caderno de anotações junto da caneta azul ao seu lado. - Talvez fosse diferente se eu ainda estivesse no coman... Ah não, não seria não.
Fredo anotou no caderno uma simples e direta frase, que talvez não fizesse sentido tirada de contexto, mas sabia que no momento certo ele saberia o significado.
"Não fale de quem lhe convém, e sim de quem lhe banca."
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...