DON'AL
Milão
14, setembro 1997Havia se passado uma semana depois do grande baque, e Al ainda continuava sem saber o que fazer com a "solucão" e seu vício. Ele não pensava nisso como um problema para os negócios, na verdade nem se quer pensou neles. O que o preocupava era como Apollonia ficaria se descobrisse sobre Mona e qual seria as consequências dessa grande recaída. De qualquer forma, jurou a si mesmo que faria de tudo para que não fosse descoberto, para o bem próprio não só dela, mas também do plano.
O mesmo plano que ele repensava as possíveis consequências, deitado de barriga para cima no chão de seu escritório, que agora não tinha mais a presença constante de Apollonia.
Porém, seus temidos pensamentos suspeitos aos olhos da morte foram deixado de lado por ele, após ouvir o grande feito que Tom anunciava animado ao entrar no mesmo cômodo que Fredo.
— Peguei as informações que pediu com Sérgio, e tenho ótimas notícias, ou melhor: ótimos números.
— Ah é? Deixe-me adivinhar, 1 trilhão na minha conta?- brincou ele.
— Pode apostar que não. Anda, levanta daí.
Al obedeceu sem resmungar, e curioso para saber quantos zeros tinham em sua conta no banco, decidiu não apressar Tom.
— Certo... "Patrimônio líquido total de: 1.3 bilhão de liras" o que convertido em dólares dão exatos... - ele buscou entre as várias folhas o mais rápido que conseguiu- 235.9 milhões.
— O que? Espera... Eu ganho em liras?
— Fredo, a Itália ainda está em crise! Desde a depressão da moeda em 93, nós não conseguimos nos estabilizar por completo.
— Fotarsi la Itália! Não tenho que pagar por isso simplesmente porque minha mulher insiste em continuar nesse fim de mundo. Tom, você tem um novo trabalho. - disse ele se levantando e fazendo sinal para que o baixo velhinho também se erguesse - Parabéns, você agora é o atual contador da famiglia.
— Fredo isso é... Um prazer enorme!
— E como de presente para o seu novo cargo, ai vai um pedido: não quero saber como, quem terei de matar ou se terei de comprar de Marte e exportar para Vênus! Tom, eu preciso de mais de 4 bilhões de dólares na minha conta.
— Então... Nós teremos que vender por dólares.
— Isso! Faça isso.
Tom abriu um sorriso amarelo, se levantou e depois de agradecer Al pelo voto de confiança, saiu porta à fora, o deixando novamente sozinho naquele cômodo agonizante.
Mais agonizante que aquele escritório quase vazio, era o telefone que o encarava por de cima da mesa, esperando apenas que ele surte e disque o número de Ângela. E foi o que ele fez, mesmo tendo certeza de que não era uma boa ideia.
— Alô?- disse ela.
Foi preciso se preparar com mais de alguns segundos para que começasse a realizar o porquê de ter ligado, mas tirou forças de onde pensava que não tinha e antes que ela pudesse desligar ele disse:
— Por que demorou tanto para me entregar?
Houve mais um momento de silêncio na ligação, por alguns segundos ele de fato pensou que ela havia desligado.
— Porque eu te amo.
— Me ama? - ele riu em ironia- Ótimo.
— Como você está?...
— Bem, eu acho. Espero me casar com Apollonia no próximo ano.- mesmo com ela do outro lado da linha e quilômetros de distância, se esforçou para que ela não percebesse seu choro - Quer saber de uma coisa, Ângela? Eu odeio não te odiar. Odeio ainda pensar em você. Odeio ficar imaginando como nós estaríamos ao lado da minha futura mulher. Odeio beijar Apollonia fingindo que é você e odeio ainda mais saber o motivo da minha tristeza e mesmo assim dizer que estou bem e feliz. Eu tenho que dizer que estou. Ângela amo você. Mesmo que isso não pareça amor.
— Eu amo você mais do que a minha vida, Al... Mas você não é meu.
X
Naquela tarde, Tom havia ligado para Al implorando para que ele se encontrasse com Kate, que pedia uma oportunidade de conversar com ele desde o dia em que voltou de Roma. E lá estava ele, sentado em uma das várias mesas nas calçadas largas de Milão, agradecendo o café que o garçom trazia à Kate, prevendo que ele provavelmente teria de pagar por isso.
— Você não me ligou... Não mandou cartas... Nada. Você não fez nada.- resmungava ela.
— O que? Eu estava em Roma, que droga! - ele tentava falar o mais baixo possível, sempre olhando atento ao seu redor, temendo qualquer repórter futriqueiro.
— Eu era sua esposa, Alfredo.
— Minha esposa? Ah Dio mio, nós estávamos separados! Se não tivesse certeza disso não estaria com Apollonia.
— Você é repugnante! Acha que eu sou burra?
— Eu sou repugnante? Você me julga mal desde quando nos casamos!
— Será que pode ser honesto comigo pelo menos uma vez na vida, Al? Esse tempo todo você dormiu com a Apollonia mesmo estando casado comigo não conta? Tudo bem, eu realmente me aproveitava de você e não fazia questão de te deixar, mas você ainda era meu marido. Você nunca parou para pensar que estava machucando a mim também?
Ele repensou tudo por um instante, e apesar de sua opinião não ter mudado da água pro vinho, decidiu acabar com aquilo o mais rápido possível.
— Me desculpe. Eu só... Vi nosso pra sempre se apagar aos poucos e acho que tirei proveito disso. Me desculpe, Kate.
— Tenha um bom casamento, amore mio... Mas tome cuidado com a pessoa que vai subir no altar.
Ele chacoalhou a cabeça em sinal de afirmação. Ela por sua vez, apunhalou sua bolsa, se levantou para dar um último beijo na bochecha de Al e antes de sumir na neblina de Milão, deixou 5 liras pelo dinheiro do café.
Al continuou ali sentado, ganhando alguns minutos livres antes de voltar para sua extensa e cansativa rotina como Don, mesmo que Tom o esperasse ao outro lado na rua.
O café onde estava o fazia ter certas lembranças. Talvez o dia em que comprou o primeiro lote de drogas com Coppola, assim como o primeiro dia em que Apollonia se drogou. No entanto, estava diferente como da última vez. As flores estavam secas e murchas, as árvores sem nenhuma folha verde e as paredes de pedra já não estavam tão livres de lodo. Mas a pequena TV continuava ali, lhe dando perfeita visão do que passava, mesmo que estivesse um tanto quanto longe.
O jornal do ITM anunciava seu início dizendo os destaques daquele dia. A maioria eram fofocas de famosos e brigas no tapete vermelho. Porém, o último dentre todos esses assuntos, o fez entrar em total desespero. Ele levantou de sua mesa lentamente, torcendo para que aquilo não fosse real, porém quando chegou mais perto, quase que meio metro de distância, não se importou mais com qual repórter o filmaria chorando por tal reportagem, que ao ver do mundo seria hipocrisia.
Até que ele apareceu. O bom velhinho Tom acolheu Al aos braços e lhe disse para não olhar diretamente para a TV.
— Vai ficar tudo bem, figlio. Um dia vai ficar tudo bem. - era o que ele dizia, mesmo que a imagem transmitida abertamente em todo o mundo dizia o contrário.
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...