AL
Milão
28, fevereiro 1997— Já viu as manchetes de hoje? - perguntou Marco à Al. - É melhor se sentar.
Ele ficou confuso, mais tenso que o normal. Apunhalou o jornal com cutela e medo do que haveria ali, imaginando mais um problema para enfrentar.
"Alfredo Moretti visto com possível amante no aeroporto de Sicília. Na tarde de ontem, o mafioso foi visto aos beijos e abraços com uma mulher que saiu do avião que vinha Nova Iorque. A mulher aparentemente é Apollonia Palermo, filha de um falecido chefe da máfia italiana na década passada. O romance não é oficial, mas acreditamos que mesmo se quisesse, Alfredo não assumiria o romance. Mesmo assim, recomendamos que veja as fotos e tire suas próprias conclusões.
foto de: Mac Taylor"
— A Kate viu isso?
— Não sei, mas certamente chegará em seus ouvidos. Ou acha que as barangas do tal comitê de leitura dela não vão comentar nada?
— Que se fodam.
— "Que se fodam"? Fredo querendo ou não, Kate é sua esposa. Você deve certa satisfação.
— Minha esposa por conveniência, fratello. Ou vai dizer que ela sente algo por mim que não seja interesse?
— Então por qual razão continua com ela? Fredo, se não a ama e sabe que ela também não o ama, não tem razão para mantê-la aqui! Não queria me envolver, mas ela só gasta, come e dorme.
— Me falta tempo até mesmo para dormir, Marco. Como posso me dar ao luxo de me divorciar agora? De qualquer forma, deixe ela pensar o que quiser. Eu não ligo.
— Matamos o fotógrafo na próxima semana?
— Claro, ma consiga as fotos primeiro.
Marco se calou. As últimas palavras de Al ficaram ali, flutuando ao ar sem nenhuma resposta ou reação. Apenas corroendo o escritório que a aquele ponto já havia virado o novo quarto de Al.
Mas logo depois, Aléssio e Apollonia chegaram, quebrando o silêncio em que os irmãos permaneciam.— Buongiorno ragazzi!! - exclamou Aléssio.
— Como passou a noite, Lônia? - perguntou Marco.
— Bene - sorriu. - Fredo, eu preciso conversar com você um instante. Será que...
— Ah, ahm... Vamos ao jardim?
Aléssio se juntou a Marco no mesmo pequeno sofá ao canto do escritório. Ele olhou ao redor, parecia admirar o cômodo antigo. Com paredes de madeira, quadros e porta retratos da família, estantes fartas de livros e com um certo risco de quebrar. Haviam também cortinas daquelas antigas e pesadas, que o fez lembrar de quando seu pai tinha as comprado.
Vincent, ou Vincenzo Moretti foi um ótimo pai, um ótimo marido, e não deixou também de ser uma ótima pessoa. "A máfia destrói qualquer homem bom" era uma das frases que ele mais falava quando encontrava algum inimigo. Porém não deixou que isso se enquadrasse a ele.
Na história da Itália, nunca houve um mafioso tão grande, poderoso e frio como ele. Então ele decidiu escolher um único filho dentre os 4 para assumir seu lugar quando morresse. Assim, não teria que ensinar determinadas coisas à todos eles. Ele esperou todos fazerem no mínimo 14 anos e colheu informações de cada um deles para decidir.
Aléssio com 32 anos, lhe disse que queria ser como o pai. Um homem de negócios, de responsabilidades e com o direito de matar quem tiver vontade em suas mãos.
Marco, não muito diferente de seu irmão, disse ao pai que vê seu futuro garantido como um homem rico, responsável e poderoso. Com o poder de fazer a sociedade temê-lo, ou ama-lo. Ele tinha apenas 14 anos.
Mona, a única mulher entre os Moretti, afirmou que sim, tinha planos. Eram esses casar-se com alguém que seja como seu pai, e ser alguém como sua mãe. Uma "madrinha".
Até aquele momento, Vincent tinha respostas praticamente iguais. Todos os irmãos pareciam ambiciosos e focados em alguma expectativa vaga do que seria ser um mafioso. Até perguntar à Fredo.
Ao contrário de todos, ele estava decidido. Seguiria carreira como militar pois não via sentido em participar da máfia depois que seu pai se aposentasse, já que aos seus olhos, nenhum de seus irmãos eram qualificados o suficiente. Ele disse "por mais que tenham idade o suficiente para agir de forma inteligente, são imaturos e não deixam o cérebro à frente do coração."
Quando ouviu isto, no exato momento lembrou de uma coisa que sua esposa havia lhe falado, na noite anterior à aquele dia.
"Se houver alguma dúvida, escolha o menos provável."
X
Os dois estavam ao lado de fora de casa. Caminhando pelo jardim, relembrando certos momentos de quando o mundo ao redor deles era adolescente, até que Apollonia:
— Você viu o que falaram no jornal?
— Ahm... - fingiu não saber.
— Disseram que sou sua amante.
— É mesmo? Dio... Esse pessoal não pode ver duas pessoas demonstrando carinho afetivo que... - ele não conseguiu formular uma frase sem gaguejar.
— Em um primeiro momento fiquei preocupada. Com o modo em que isso poderia lhe afetar, ou afetar seu casamento, principalmente. Mas depois que dividi isso com Aléssio, disse para que eu não me preocupasse com sua relação com ela porque... Bem...
— Porque eu não a amo.
Fredo sabia que aquilo poderia soar como um "convite" para Apollonia ter um caso com ele, mesmo que Al não tivesse intenções algumas em um primeiro momento. Porém, a possibilidade maior era Apollonia tocar em algum assunto do passado que possa deixar Al contra a parede, sem saída alguma.
"Isso está no passado, e é lá onde e deve ficar" foi a frase que ele mais repetiu a si mesmo até que a vontade quase incontrolável de colocar tudo para fora passasse.
Porém, a pergunta que Apollonia o fez enquanto ele a observava, foi certeira e dolorosa. Certeira pois não havia saída, e dolorosa pelo descontrole emocional que Fredo não conseguiu esconder.
— Fredo, você já me amou?
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Os Solitários de 1997
RomanceEsse livro é o primeiro da série "Solitários" e conta a primeira versão da história. Al ou para os mais próximos, Fredo, foi praticamente forçado a tomar frente dos negócios da família quando seu pai morreu, por conta da culpa que sentia dentro de...