⭒✧° Felix

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"A forma como saem da sua vida te diz muito sobre uma pessoa.

Existem aquelas saídas dramáticas, antecedidas de grandes desentendimentos. Brigas acaloradas, discussões escandalosas; um enorme escarcéu. Seu "adeus" já é esperado, seu abandono já está prescrito nas estrelas e conseguimos lê-lo todas as noite. Você enxerga a pessoa indo embora antes mesmo de ela estar completamente fora da sua vida. E dói.

Mas tem aquela que dói mais.

Há quem saia sem ao menos te deixar uma palavra de adeus. Não há explicação; não há sinais prévios; não há sequer um desentendimento. É silencioso. É sorrateiro. Em um dia, você é tudo para ela. No outro, sua existência se torna mera lenda do passado.

E por que? Se cansam de nós e não têm coragem suficiente para olhar em nossa cara e dizer "tchau"?. Não são capazes de olhar a dor em nossos olhos ao vê-los partir? Ou apenas perdem o amor e pensam ser mais fácil apenas... ir?

Acho que foi isso que você pensou quando decidiu parar de viver ao meu lado.

Foi algo que eu disse que te fez desistir? Foi uma ação impensada que te fez perder o brilho nos olhos que surgia ao me olhar? Foi minha impulsividade que te assustou? Foram meus problemas que você não aguentou?

Ou foram os seus que te fizeram enlouquecer?

Não posso te tirar os méritos de ter tentado. Você se esforçou, se esforçou muito. E conseguiu, dentro das suas capacidades. Eu vi o amor em seu olhar quando separou seus lábios dos meus no primeiro beijo, quando me pediu em namoro, até mesmo quando me viu desarrumada pela primeira vez. Senti seu amor por mim, senti o calor no teu coração por meses. E senti o frio que se instalou no seu peito antes de te perder.

Porém, não vou reclamar de tu ter ido embora.

Reclamo de você ter tentado voltar.

Ou melhor: odeio a forma como você voltou.

Eu estava em vias de te superar. Já não sentia mais aquela dor exorbitante que corroía meu coração e assombrava meus pensamentos. Seu nome já não era mais um tormento para os meus ouvidos. Nossas fotos já não estavam mais na minha galeria. As lembranças já não estavam tão presentes. Fazia quase um mês que você tinha ido embora.

Então, você voltou.

Quando recebi aquela sua mensagem, fui tomada de um misto de ansiedade e angústia. Mas, principalmente, desgosto. "Sinto sua falta". Como poderia você ser assim, tão cara de pau? Nem ao menos teve um pedido de desculpas. Seria demais pedir por uma explicação?

Sua sequência de mensagens foi demais para que eu aguentasse. "Você é tudo para mim"; "Eu sou um babaca"; "Me dá mais uma chance". Eu queria gritar, queria chorar. Queria explodir. "Eu sei que eu sumi, mas também é culpa sua por não ter me procurado em um mês inteiro".

Como ousou escrever tais palavras? Como foi capaz de ser tão insensível e egocêntrico e, mais uma vez, fazer com que tudo fosse sobre você? É sempre só você. E, por um momento, eu não suportei.

Um momento único, rápido. Não durou mais que poucos segundos.

Mas ele existiu. E talvez esse seja o problema.

Eu quis que você sentisse minha dor. Nem que uma única vez.

E eu não poupei palavras.

Em uma longa mensagem, eu desabei. Cada estaca que mantinha a minha cabeça no lugar, desmoronou. Cada venda que usei para encobrir os defeitos que encontrei em ti saíram do lugar. E eu vi tudo; vi tudo com clareza; vi tudo com ódio. E descontei nas letras do teclado digital cada uma das cicatrizes que você deixou. Eles sangraram de novo. Sangraram até o sangue se esgotar. E cada gota escarlate se derramou sobre ti.

Você é hipócrita, sabia? Veio atrás de mim para me dizer o quão bem eu te fazia, mas sempre jogou nas minhas costas o peso de te fazer mal. Me procurou para dizer que eu era mais do que você merecia, mas por meses eu ouvi apenas o quão insuficiente era tudo que eu fazia. E a verdade, sabe qual é? Você procurou em mim mais do que eu tinha a oferecer; mais do que você jamais conseguiria de uma pessoa. Você quis que eu te amasse o suficiente para preencher o buraco que tem em ti; mas eu não tenho que te dar o amor que sua família nunca te deu. Eu não sou responsável pelos teus problemas. Quer o contato de um psicólogo?

Você não pode voltar como se nada tivesse acontecido; não pode me puxar para trás quando eu já segui em frente. Mas tu não se importa, não é? Afinal, tudo gira em torno de você.

Sempre você.

Talvez você tenha entendido o recado. A escassez de mensagens tuas na minha DM me fazem acreditar que sim. Ou você finalmente aceitou que eu e você, o "nós", não era mais uma opção.

Ou talvez você não tenha aguentado"

Deslizo a carta para dentro do bolso do paletó azul marinho. Ele parece tão calmo, com uma serenidade imutável no rosto. Seus lábios quase formam um sorriso. As sardinhas foram um pouco ofuscadas pela base, mas a constelação amarronzada segue destacada em seu rosto pálido. Ele parece... feliz. Em paz.

Seco uma lágrima furtiva que insiste em cair. Não quero mais chorar; todo meu estoque foi desperdiçado no chão da sala na noite anterior. Mais algumas lágrimas e desmaio por desidratação.

Mas quem pode me culpar?

Bom, eu me culpo.

Se eu tivesse te aceitado, você ainda estaria aqui?

- Vos restam cinco minutos. - o segurança trajado em roupas pretas anunciou. - Em seguida, carregá-lo-emos à sepultura.

Vi a mãe de Felix se jogar sobre o caixão, os soluços ecoando pela sala fechada. Seus braços tocavam o corpo inerte do filho enquanto seu marido segurava as lágrimas, acariciando as costas da esposa. Olhei uma última vez para seu rosto; seus lábios quase formavam um sorriso. Era essa a última lembrança que teria dele.

Virei minhas costas e segui para fora da casa funerária. Passos firmes, determinados. Eu não iria olhar para trás. Não vou voltar atrás. Não agora. Não mais.

Se eu tivesse voltado atrás naquela noite, você ainda estaria aqui?

Se eu tivesse te amado mais, você ainda estaria aqui?

Se eu fosse você... eu ainda estaria aqui?


Oneshots ⭒✧° SKZOnde histórias criam vida. Descubra agora