100 Suns

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PART 1

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PART 1

Envolto em uma jaqueta azul-marinho da Prada, que custava quatorze mil e quinhentos dólares, recebi a pior notícia possível. Aquela que, mesmo no cenário mais desfavorável, poderia destruir completamente a tranquilidade da minha manhã favorita da semana. Cada palavra da carta maldita parecia gravada a fogo na minha mente, como se queimasse diretamente na espinha, enviando arrepios indesejados por todo o corpo. Era como se cada fibra do meu ser se contraísse em resposta àquelas frases cruéis, a dor sendo sentida de dentro para fora.

O gosto amargo que invadiu minha boca naquela sexta-feira horrível retornou com força, uma sensação desconfortável que me transportou de volta ao momento em que li aquela mensagem endereçada a mim pela primeira vez. O gosto trazia à memória o café preto e forte que meu pai bebia religiosamente antes de sair para o trabalho todos os dias. Essa lembrança fazia meu nariz se enrugar involuntariamente, revivendo a imagem dele, sempre com a postura rígida, ombros tensos, enquanto levava a xícara aos lábios com o mesmo desdém de sempre.

Decidindo que não era o momento de me deixar consumir por arrependimentos, desci as escadas com passos firmes, esfregando nervosamente as palmas das mãos contra a calça jeans. Meu corpo inteiro sentia um calafrio, o estômago revirando em uma clara reação ao que estava por vir. Quando passei pela porta da cozinha, os olhos perdidos do meu pai me chamaram a atenção. Ele estava fixo na madeira de carvalho do chão, como se estivesse procurando por algum defeito invisível, qualquer coisa que pudesse justificar uma explosão de raiva. Sabia que, em algum momento, ele descarregaria tudo em Abigail, a doce mulher que limpava nossa casa há dois anos, sempre em silêncio, sempre paciente.

Sporcizia! — Meu pai xingou usando a língua mãe, batendo a mão contra o mármore da mesa.

Demorei muito para me adaptar a viver em um país onde o inglês é predominante. Às vezes, sentia falta do italiano ao meu redor, desejando que, por acaso, algum intercambista aparecesse na minha turma e trouxesse de volta a familiaridade da minha língua materna. Mas, agora, em meio ao caos que estava se formando, ouvir meu pai falar italiano só reforçava a ideia de que meu tempo no Canadá estava contado.

Eu não quero voltar para a Itália. Não quero ouvir mais ninguém falando italiano ao meu redor. Aqui, consegui construir uma vida, algo que levei quase dois anos para estabilizar. Não quero perder isso.

— Qual o problema desta manhã, papà? — perguntei, enquanto pegava uma torrada em cima da mesa.

— Estou atrasado, a porcaria deste relógio não funciona.

A "porcaria" tratava-se de um Montblanc avaliado em trinta mil dólares, um presente que ele mesmo se deu quando completou quarenta e oito, no início do ano. Em outros tempos, meu pai teria feito piada sobre o relógio quebrado e o jogaria fora sem pensar duas vezes, encomendando outro modelo mais avançado até o final do dia. Mas as coisas mudaram. O dia mal havia começado, e já estava claro que aquela segunda-feira seria um dos piores dias para ele desde que nos mudamos para o Canadá.

DEZ CONTOSOnde histórias criam vida. Descubra agora