Numa tépida tarde de primavera em Buenos Aires eu e minha mãe fomos jantar na Pizzaria Kentucky, Calle Oro esquina Sta. Fé em Palermo.
Soubesse eu o segredo da massa daquela pizza estaria feito em qualquer lugar que abrisse uma pizzaria, sua massa crocante e tenra tem um quê de massa podre, derrete na boca, apesar de não deixar de ser crocante e ter grossas bordas recheadas.
Depois de pedirmos nossa brotinho napolitana, chegou na mesa ao lado uma Sra. bem idosa, sentou-se e pediu um café com leite. Sua aparência pobre denotava falta de recursos e, minha primeira intenção foi lhe oferecer um antepasto mais proveitoso, ela, ao perceber que eu lhe dera atenção, passou a conversar comigo prontamente.
Apresentou-se, me chamo Delfina, quando pude perceber que só tinha dentes dos caninos para trás, em baixo e em cima, da boquinha chupada e faladora.
Eu, bom de conversa que sou, dei-lhe corda, apresentei-me e a ouvi dizer e gesticular que logo iria para as alturas, o céu, quiçá. Respondi-lhe prontamente, apontando para todos ao redor, que todos para lá iriamos mais cedo ou mais tarde e que não era motivo para preocupação. Seus gestos deram a entender que não estava preocupada nem um pouco.
Reparei que era assídua frequentadora do lugar pois, chamava o garçom pelo nome - Fernando - e a dona ou responsável pela casa foi à sua mesa e lhe deu paciente atenção.
Ao condoer-me de sua aparente pobre situação quis oferecer-lhe algo, no que minha mãe logo falou, ela deve ganhar da casa o que consome. Retruquei, se assim não for pagar-lhe-ei o que quiser.
Depois, continuou minha progenitora, ela não deve ser sã, pergunta as horas a cada 10 minutos, no que retruquei, coitada mamãe, deve estar carente e precisa conversar com alguém, eu sou conversa para dar e vender.
Passados mais alguns instantes reparei que ela tinha diversas sacolas de supermercado penduradas nas cadeiras, a dela e a do lado, pensei, ela deve vender sacolas para sobreviver. Mostrei interesse em comprar uma delas, no que me respondeu, são para dar de presente aos pobres.
Contrafeito me calei quando Delfina me chamou, estendeu-me uma sacola e, ao ver que eu pretendia pagar por ela retrucou, é um presente de Jesus.
Deus a proteja pensei e gesticulei um agradecimento de mãos postas e curvando o tronco, só não falei namastê pois ela provavelmente não compreenderia.
Que nos sirva de lição e levemos as Delfinas que nos habitam com carinho e galhardia.
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Aliás Voadoras
Short StoryFazendo um breve preâmbulo; esta crônica é um dos capítulos de um livro que escrevo há mais de uma década intitulado "Aliás Voadoras". Aleá era o nome que os moradores de certo lugar do oriente, que foi dominado pelos portugueses, davam às fêmeas...