A menina derreteu na chuva

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   Fazia um calorão atípico naquela tarde de primavera e, justo naquela hora, 

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   Fazia um calorão atípico naquela tarde de primavera e, justo naquela hora, 

eu estava  comendo uma barra de chocolate. Logo minhas mãos começaram

 a ficar lambuzadas e lembrei-me da menina do livro de arte que derreteu

 debaixo da chuva em que deixou o  livro cair.

   Minha memória se dividiu em três partes: a da imagem de eu correndo atrás 

do  livro que  era carregado pela enxurrada, a da menina disfarçando que não

 fora a causadora de tal cena e eu ao vê-la debaixo da chuva torrencial, 

típica de um dia tão abafado, não estranhar o fato de ela estar

 se derretendo, afinal, meu instinto básico era o de recuperar o volume.

   As letras  nesta altura do campeonato estavam tão ou mais derretidas do que

 a menina  e nem me dei conta que havia guardado o chocolate no bolso

 de fora do paletó.

   Semanas depois, quando vim a usar o mesmo terno, tenho por hábito

 revolver todos  os bolsos para ver se não ficou algo, um lenço usado talvez,

 ou quiçá  uma nota de dinheiro  graúdo.

   Já me aconteceu de achar uma nota de cinquenta amassada e lavada, 

porém ainda  utilizável, e a surpresa compete com a alegria quando este 

tipo de fato ocorre, daí ter se tornado um hábito revolver todos os bolsos

 de um terno quando o visto.

   Daquela feita, ao enfiar a mão no bolso externo direito do paletó senti 

uma maçaroca grudenta que ao tirar para fora reconheci como sendo 

os restos mortais daquele chocolate  do dia fatídico onde só viu arte 

a cabeça do escritor molhado e lambuzado esquecendo-se

da menina derretida que vai se lá saber que fim levou, ou melhor, 

onde a enxurrada levou o misto de menina e tinta de letras.


Aliás VoadorasOnde histórias criam vida. Descubra agora