ESCOLHA SEU LADO

167 19 4
                                    


PDV Lucien

Termino de ler o pergaminho entregue por Liam. Um presente dela, uma explicação, um desafio. Liam está sentado, em silêncio, o desenho de Akiko em suas mãos. Não a Akiko de nossas lembranças, mas a Akiko de hoje. Uma sombra pálida e dolorosa do que ela já foi um dia. Eu me lembro dela, me lembro da alegria dela, me lembro da timidez dela. Me lembro como ela lidou melhor que Lyta com a nova situação. Principalmente me lembro como ela olhava para Liam, cheia de devoção, de amor, uma eternidade de promessas escondidas em seus olhos. Como se Liam fosse o sol a alimentar sua alma, e ela fosse uma Lua a refletir toda a grandeza que habitava nele para o mundo.

Akiko hoje... A morte provavelmente será a maior gentileza que ela poderia receber. O que um dia deve ter sido belíssimas asas, como as de Lyta, não existem mais. Restam apenas o cotocos destroçados de um par de asas arrancadas brutalmente. A ferida que não se cura, os acessórios que drenam sua magia curativa, garantindo que ela nunca se recupere. Sempre ferida, sempre em dor, imobilizada, isolada. A imensidades cânulas, agulhas, tubos inseridos em seu corpo, quase esconde que ela já foi humana. Seu corpo está doentiamente inchado devido à submersão, e ainda assim está claramente magro demais, como o de um ser que não vê comida há eras e segue definhando em vida. Seus longos cabelos negros estão completamente brancos, cheios de falhas no couro cabeludo, completamente irregular no comprimento, quebrados em diferentes alturas. 

Então é isso que Gaius e Heron prepararam para Lyta. Para todas as fadas dragão já encontradas, para todas que virão no futuro. Nossas companheiras de alma e raça, nossos amores. E tudo para quê? Encarei as belas luminárias do chalé de Liam. Lâmpadas. Para ligar uma lâmpada, ter banheiros modernos, esquentar um comida. Coisas mundanas para as quais as outras raças desenvolveram alternativas tecnológicos que afetam minimamente ou nada as vidas dos demais seres. Nenhuma raça que já dominamos trata outra como nós tratamos nossas parceiras.

Eu sempre acreditei que era nosso direito o de dominar outras raças, conduzi-las, destruí-las se necessário. Nossa superioridade mágica era apenas uma das muitas provas. Nossa força e superioridade, nossas vidas longas. Tudo que me foi ensinado é que o domínio dracônico é a mais natural das leis naturais. Não há nada de natural em torturar nossas parceiras pela merda de uma lâmpada! E no entanto, é exatamente o que nós fazemos. Desde quando Lyta descobriu? Nem mesmo nossa origem é a que aprendi? Lyta diz que tudo que eu sei é mentira.

- Nós não temos esse direito. - Falei para mim mesmo. - Nós não somos naturalmente superiores.

Seiscentos anos sentindo dor. Esse é o tempo que a amada de Liam enfrentou até agora. Pela descrição no pergaminho,  elas nunca recebem anestésicos. Ela foi amputada, torturada, e mantida viva para nos fornecer a magia que usamos para coisas tolas, como velas de aniversário. Essas fadas sofrem para que nós tenhamos bolhas de sabão flutuando no ar em festivais. Onde está a honra que nossa raça carrega? Onde está a nossa superioridade?

- Não há honra nem dignidade no que fazemos. - Liam me encarou e eu sei que ele me entendeu. - Nós poderíamos ter eletricidade, poderíamos ter soluções alquímicas, tecnológicas. Mas optamos por essa monstruosidade.

Deixo o pergaminho na mesa e enxugo meus olhos, lembrando do que permiti que fosse feito com Lyta. A fúria e a dor, a decepção no seu olhar quando despertou. Eu não posso permitir que o destino dela seja esse. Não posso permitir que minha parceira tenha esse fim. A morte é melhor. Eu posso ter fracassado no passado, mas não posso fracassar novamente.

Olho para meu irmão mais velho, cujos olhos estão ausentes, vendo algo em sua memória. Ele está destruído. Ele acreditava que ela havia sido morta, assassinada, e desde então vem tramando sua vingança. Nunca houve uma aglomeração de rebeldes tão grande e tão forte. Nós que queremos tomar o poder crescemos, nos fortalecemos e em breve iríamos declarar guerra aos anciões. Esses velhos malditos que controlam nossa existência a cada passo. Nenhum de nós nunca imaginou isso, nem nos seus piores pesadelos.

A Escrava dos DragõesOnde histórias criam vida. Descubra agora