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Aparecida, envolta em sombras, enfrenta o vício do irmão e o trauma do suicídio da mãe. Sob o controle rígido da avó, sua jornada é marcada por uma busca dolorosa por luz e liberdade, numa teia complexa de desafios familiares.

Sete anos depois

Aparecida

O ônibus está lotado como sempre, vovó conversa com algumas senhoras que conseguiram ir sentadas, eu estou distraída pensando no que faremos com a conta de energia atrasada, as diárias não são o suficiente, e para piorar meu irmão resolveu dar mais trabalho do que o normal. A última foi vender o botijão de gás, mesmo trancando a casa com chaves e cadeados nada segura a fissura para se drogar de Cido.

Se eu conseguisse um trabalho de carteira assinada e salário garantido por mês não ficaria tão difícil, minha avó trabalha em uma cozinha de um restaurante chique, durante toda a vida vi ela trabalhando em casas de famílias ricas, com o tempo ela já estava velha demais aceitando trabalhar nesse restaurante sem registro.

Na verdade, ela nunca quis se registrar dizia que iria atrapalhar seus patrões com direitos trabalhistas, eu comecei a trabalhar logo depois do ensino médio, sempre fui inteligente, poderia tentar uma faculdade ou um curso técnico, o problema é que vovó nunca deixaria para ela tudo isso me colocaria a mercê de um homem que iria aproveitar de mim como aconteceu com minha mãe que trouxe dois filhos sem pai para ela criar.

Eu lembro de cada detalhe da minha mãe, os cabelos cacheados pretos, os olhos claros e a constante tristeza, meu pai, um homem rico a deixou por conta da posição social. Isso acabou com sua vida e mente, ela até tentou por cinco anos sobreviver até se matar na minha frente e na frente de Cido. Ser rejeitada pelo simples fato de não ter dinheiro a destruiu, eu às vezes sonho com ela.

Nesses momentos, rezo pela sua alma e por mim também, sou uma possível suicida foi o diagnóstico dando pelo psiquiatra que o psicólogo do posto de saúde me encaminhou disse, eu já tentei me afogar uma vez no mar em um passeio da igreja o padre percebeu que não foi um simples afogamento, depois peguei uma faca na cozinha de uma das minhas patroas e cortei meu braço, falei que foi um acidente, e sai mais cedo.

A mulher não me chamou mais, talvez como o padre tenha percebido como sou perturbada, o motorista freia o ônibus fazendo com que várias pessoas vão para frente bruscamente, eu quase caio se não fosse minha avó me segurando. Ela grita acompanhada de alguns passageiros, o motorista grita também dizendo não ser sua culpa seguimos a viagem sem mais problemas. Ainda tem mais dois ônibus para entrar até chegar na diária de hoje, o bom é que a patroa está em viagem, portanto não terei que fazer nada além da limpeza.

— Cida, está pensando em besteira de novo, não é? Sabe bem que não posso faltar do serviço para cuidar de você e das suas frescuras. Você é igualzinha à sua mãe vivendo no mundo da Lua, está pensando em macho?

Minha avó poderia vigiar até meus pensamentos como não pode usar do artifício de que sou como minha mãe para me atingir. Eu sei que sou como ela, que logo vou fazer uma besteira, mas não quer dizer que tenha que ouvir isso todo santo dia. Cido dá muito mais trabalho que eu e ela não pensa duas vezes antes de defender ele, acho que se sente culpada pelo que houve com ele em relação ao vício.

— Não, vó, estou pensando no serviço que tenho hoje. Até mais tarde, vou correr para entrar no outro ônibus.

Amo despistar ela e deixá-la sem argumentos, minha avó não me deixou estudar se não fosse pela diretora da escola denunciar ela para o conselho tutelar talvez nem mesmo teria terminado o ensino médio. Eu poderia ter tido um futuro melhor, mas o medo que trouxesse uma criança para ela criar a fez atrapalhar minha vida. Terminei a escola e ela logo tratou de arrumar varias faxinas para mim, eu não poderia ser uma atoa.

Entre Sombras e Redenção (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora