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Aparecida

Acordei no mesmo horário de sempre, tomei café com Luzia e comecei a ajudá-la nos preparativos para festa que seria feita no próximo final de semana. Eu fingi que estava tudo bem, sou mestre em colocar as situações ruins dentro da minha mente as trancando, quando Edgar apareceu na cozinha parecia realmente meu patrão, eu não o vinculava mais ao meu Cunha e assim todo encanto e amor que sentia foi embora.

— Perfeito, Luzia. Mantenha tudo organizado como sabe que gosto, Aparecida permanece na cozinha, já informou isso a ela, certo?

— Sim. Aparecida ficará aqui, inclusive ela concordou, não é, querida?

— Sim. Ficarei responsável pelo cardápio que será servido.

Ele sorriu na minha direção debochando de mim, mas como já tomei meu remédio para não ficar doida de vez nem moral para Edgar eu quis dar.

— Aparecida, venha até meu escritório.

Claro que a sessão de humilhação iria começar logo cedo, Luzia não sabe aparentemente e se sabe fingi muito bem, estou tão entorpecida pelo remédio que não iria questionar nada. O segui até o escritório e assim que entrei, Edgar me empurrou para parede beijando minha boca como se estivesse com saudades, eu fiquei sem reação, eu não sinto nada por ele, e sim por Cunha que não existe.

— Não quer meus beijos, Aparecida? Antes você parecia gostar bastante, e agora parece uma estátua.

Eu precisava inventar uma desculpa, uma bem convincente, caso contrário não vai acreditar em mim.

— Fui pega de surpresa, senhor, é isso. O que precisa de mim?

Ele se afastou parecendo acreditar em mim, eu não senti nada ao ser beijada por ele, senti apenas nojo.

— Tudo bem! É tudo novo para você, eu sei ser paciente, claro que tenho meus limites. Já agendei sua ida ao médico, fará um exame completo, quero saber se não tem nenhuma doença transmissível. Não sei quem era sua mãe muito menos o seu pai, pode muito bem ter algo incubado em você e não sabe.

É claro que não ia deixar de me humilhar por conta da minha origem. Deus poderia tanto me levar durante o sono seria excelente assim não sofria mais. Edgar passou as guias para os exames afirmando que tudo estava pago, eu queria ir embora, mas ele parecia ter mais a dizer.

— Marquei horário para você no salão de beleza, seu cabelo precisa de corte, ele não está do jeito que gosto. Arrumar as unhas do pé e das mãos e ajeitar as sobrancelhas, e com certeza se depilar. Sei que não tem dinheiro para isso, no entanto, para estar comigo precisa ter um alto padrão de beleza.

Pobre e feia. O jeito como usar as palavras para me humilhar é diferente, como pude me apaixonar tão rapidamente por alguém como ele?

— Claro, mais alguma coisa?

— Eu tenho uma surpresa para você, ainda não está pronto, mas assim que tiver, vou mostrar a você. Agora pode ir fazer os exames e ir até o salão, Jonatas vai levar você.

Eu só queria trabalhar, nada de salão e exames, sem muita opção de escolha entro no carro com Jonatas, ele não conversou comigo o caminho inteiro até o médico, o consultório é muito chique e bonito, esperei na recepção acredito que propositalmente vazia por alguns minutos até que fui atendida, é um médico jovem.

— Bom dia. Já será colhido a amostra de exame de sangue, as demais amostras poderão ser enviadas amanhã. Alguma queixa?

— Não, senhor!

As perguntas que se seguiram eram as normais como se fumava ou usava drogas, falei sobre o antidepressivo mostrando a receita do remédio, eu sempre andei com ela na bolsa por saber o que talvez fosse necessário informar o uso dela em algum momento, só não esperava que fosse esse.

— Edgar pediu para manter discrição sobre os exames e até mesmo sua presença aqui, pagou o meu dia inteiro de consulta. Desculpe a curiosidade, e não quero ser invasivo: por que ele faria isso?

— Porque sou pobre. Ele como um homem de uma família importante não pode ter seu nome vinculado a alguém como eu, não sou especial, só uma garota qualquer.

A enfermeira foi fazer a coleta do meu sangue colocando em vários tubos, eu odeio agulhas, odiei ter vindo aqui e mesmo pensando ser antiético, o médico me fez ter a sensação de vergonha. Sai do consultório sem falar nada, Jonatas pareceu ver meu estado exausto de espírito e resolveu conversar comigo.

— Quando eu tinha 10 anos e o patrão 9, ele ganhou uma bicicleta, lembro que ele andou com ela o dia inteiro e a noite também. No dia seguinte, ele jogou a bicicleta no lixo dizendo que tinha enjoado, e foi assim durante muito tempo, eu e meu irmão ficávamos felizes pois sempre tínhamos brinquedos novos ou com pouco uso. Edgar é um tipo de homem que tem tudo que quer, da forma que quer, mas logo se enjoa ou se irrita, se mantenha firme nessa certeza, Aparecida. É duro o que vou dizer, mas apenas é um passatempo para ele, logo vai perder o interesse, e terá sua vida de volta.

— Que a Virgem Maria abençoe suas palavras.

Eu não vejo a hora de todo esse martírio acabar e eu ter minha vida de volta. Vou fazer tudo que ele quer até que se enjoe de mim, sei que será logo, não tenho nada de interessante para ele.

Entre Sombras e Redenção (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora