chance

150 6 10
                                    

FLASHBACK ON

—Mamãe.—A voz doce e definitivamente madura agora soava pela casa. Mal se levantou do sofá, ainda com as roupas que usou na faculdade. As bochechas coradas de calor.

Bateu na porta de onde a filha estava - o banheiro - e pediu autorização para entrar. Com ela concedida, a rainha se empertigou, adentrando o espaço.

—Meu amor, o que foi?

—Tá saindo sangue no meu xixi.

—O que?—A mulher ajoelhou ao lado da criança, vendo suas peças íntimas com certo zelo.

—Filha, você virou mocinha.—Explicou.—Você... bom, está se tornando mulher, na verdade.—Mal sorriu de canto.

—Sai sangue todo dia quando vira mulher?

—Ellie, dura uns três dias. Depois some e volta no próximo mês.—Começou a tirar pelos pés a roupa da filha, batendo na porta para fechar.—As vezes dói um pouquinho na barriga também, então se sentir dor, pode falar para a mamãe ou o papai. Chama cólica.

—Você não sente dor?—A menina encarou a genitora enquanto ela ligava a banheira.

—Seu pai cuida de mim.—Mal deu a mão a Ellie e a ajudou a entrar na banheira.—Quando for adulta e... bom, bem mais velha, é bom que encontre alguém como seu pai, alguém legal, que tome conta e seja gentil. Além de responsável, óbvio.

—Mamãe?—A voz de Austin soou depois que ele bateu na porta.—Posso entrar?

—Não.—Reclamou Ellie.

—Fique aí fora, filho.

—Mas Dante derrubou o copo de leite todinho na Diana. Eu tentei arrumar com um pano mas o carpete manchou mesmo assim.

A mais velha coçou a cabeça, fechando os olhos enquanto bufava.

—Veja o que seu pai ou o tio Jay podem fazer, beleza? Estamos tendo um papo de garotas aqui.

(...)

—Por que sangra?—A voz da garotinha soou depois de um tempo, quando sua mãe esfregava seu couro cabeludo.

—Olha...—Pensou, tentando explicar como contar para sua criança o motivo de sangrar.—Você tem, e eu tenho também, um... meio que... uma bolsinha, dentro da barriga. É um órgão. E aí, todo mês, o nosso corpo faz um cobertorzinho para aquecer dentro da bolsinha para se aparecer um bebê. Depois, quando o seu corpo vê que não tem bebê, o cobertorzinho se desfaz e vira sangue.

—E se aparecer um bebê?—Ela tocou a barriguinha ingênua.

—Sério, ninguém nunca te falou sobre isso na escola?

Óbvio que não, Mal. A obrigação era sua.

—Não quero ter um bebê.

—Não vai. Quer dizer, não agora. Você precisa ser grandinha para ter bebê.—Sussurrou a garota da ilha, se levantando.—Esfregue o corpo e se enrola enquanto eu vejo como estão seus irmãos. Já venho te ajudar.

(...)

—Parece um travesseirinho.

—Sim. Chama absorvente. Não é tão confortável assim, mas... bom, é preciso.—Ela suspirou.—Aqui atrás tem uma colinha, e você usa para ela ficar presa na calcinha.

—Ah, então parece uma fralda.—Debateu a princesa.

—Não. Bom... sim. Mas é coisa de mulher adulta.—Disse.—Aí você coloca, veste a calcinha e veste a roupa normal.

—Não quero usar fralda. Nem os gêmeos usam fralda mais.

—Não é questão de querer.—Mal entregou na mão da menina.—Sabe o que vai fazer você se sentir melhor? Chocolate. Posso arrumar um pouco.

—Vai deixar eu comer chocolate antes da janta?

—Sim. Vou abrir uma exceção, senhorita.

(...)

FLASHBACK OFF

Fazia cerca de sete meses desde que Ellie menstruou pela primeira vez. Agora se comportava mais como uma dama, enquanto isso seus irmãos cresciam.

Naquela manhã, todas as crianças já tinham ido para a escola. O silêncio reinava na casa a não ser pelos soluços fracos de Mal, que se deitava na cama com o marido.

—Me desculpa.—Soluçou ela.—Me desculpa, por favor.

—Ei.—Ben abraçou a mulher, acolhendo-a no peito.—Tudo bem, meu amor. Não foi culpa sua.

—Eu perdi nosso bebê.

—Não foi sua culpa.—Repetiu o rei.—Sei que sofreu um aborto e... bom, é doloroso agora, mas... não era para ser.

Ela continuou chorando, como estava fazendo desde a noite anterior, quando o incidente aconteceu.

O médico a examinou em casa assim que o sangue escorreu entre as pernas dela. Confirmou a morte do feto e deu a ela um remédio para ajudar seu corpo a expulsar o resto.

—Chega de filhos, okay?—Murmurou o menino.

—Você acha que sou inútil para tentar de novo?

—Não. Eu acho que você é frágil e que já temos filhos suficientes para não sofrer por isso.—Resmungou.—Sei que conversamos e tentamos outro bebê, mas não deu certo e agora você... está triste. Não quero tentar outra vez. Já amo os filhos que tenho. Quatro crianças bastam.

Ela se agarrou nele, pedindo por mais do carinho e calor. Estava se sentindo péssima. Não sabia se era o torpor do remédio ou a dor da perda, talvez até o fato de seu aborto ter interferido em um assunto sério.

Na noite anterior, Ben choramingava que estava esquecendo tudo sobre sua mãe. Seu sorriso, seus olhos, sua voz. Então Mal viu o sangue, e desde então tudo virou sobre ela. De novo.

—Eu amava ele, Benny.

—Eu sei. Eu sei. Eu também amava. Mas eu amo você bem mais, quero que fique bem.—Beijou a testa da esposa, puxando-a para mais perto.

—Como... como consegue me amar maia que nossos filhos, mesmo depois de tantos anos?—Mal pediu, as lágrimas sumindo e ele vendo que o assunto, apesar de ainda ser o mesmo, estava indo pra um caminha saudável.

—Eu amo você. Muito. Daria minha vida por você. São amores diferentes, você entende. Você é minha maior companheira, mas Ellie, Austin, Diana e Dante são carne da minha carne.—Comentou.—Te amo mais do que essa criança que não nasceu. Mas não tenho certeza se sinto o mesmo em relação às crianças.

—Não tem problema. Eu sinto o mesmo.—Sorriu de lado. O narizinho vermelho cheio de sardas e o olho vidrado pós choro.—Eu só... só queria que ele tivesse tido a chance.

going crazy - História malenOnde histórias criam vida. Descubra agora