Capítulo 74

5.8K 836 151
                                    

Capítulo 74 – Digão

Sinto quase uma frustração quando desço da moto em frente ao barraco abandonado. O vento batendo na minha cara enquanto eu acelerava pelas vielas que eu conheço bem pra caralho completavam a sensação de estar vivo que fuder com a minha preta me devolveu.

Tudo o que eu queria mesmo era ficar namoral com ela. Aproveitar pra matar a saudade que eu senti no tempo que fizeram a gente ficar separado. Mas se tem uma porra que eu aprendi no último mês é que não dá pra deixar pra amanhã o que tua intuição diz que é pra tu fazer hoje.

Foi por causa dessa parada que há uma hora atrás, deitado com ela no meu colo, eu decidi que nenhum filho da puta que levantar a voz pra minha mulher vai sair vivo pra contar história. Posso representar muita coisa ruim na vida dela, trouxe ela pra um mundo ingrato pra caralho, mas não vou deixar atingirem ela de novo. Não depois da quantidade de lágrimas que sequei daquele rostinho bonito nas últimas horas.

Kv: Ele não sabe que tu tá de volta patrão, nós não sabia se era pra falar — me avisa antes de abrir a porta pra mim — Talvez se ligou pelos fogos.

Digão: Tá suave, se ligou porra nenhuma, acha que eu tô morto — falo com certeza e aperto a mão do Kv— Marca uma reunião de comando pra mim, quero todos os gerentes, vapores e soldados que estiverem de folga lá na casa amarela — troco a chave da moto de mão e guardo no bolso — Os que tão no plantão, mantém, mas os que estiverem de bobeira, é pra tá lá em meia hora. Eu deixei a Luara em casa, mas tu manda o Picolé ir buscar ela. Quero ela lá também.

Kv: Precisa de alguém aí dentro contigo, chefe? — me pergunta pra fechar, me olhando nos olhos.

Digão: Não. Papo agora é eu e ele — nego, tirando a arma do cós da calça, e ele concorda — pode ir.

Kv: Mais do que merecido essa porra mermo. Papo reto — ouço ele dizer enquanto anda em direção à propria moto.

Entro no barraco, abrindo a porta devagar, tá bem escuro lá dentro, mas consigo ver que o fudido sentado no canto da sala limpa o rosto.

Ney: Qual foi, TH, já te falei... — interrompe a fala baixa e entrecortada quando levanta a cabeça e nota a minha presença.

O olho roxo eu tô ligado que foi pelo soco que o Coreano deu nele, mas a boca cortada é sinal de que mais alguém já passou por aqui antes de mim.

Digão: Já falou o que? — Cruzo os braços e encosto no batente da porta — Fala mais.

Essa é uma imagem que quero guardar. O desespero passando pelo olhar e a consciência avisando que é o fim da linha. Ele não conseguiu esconder isso de mim.

Quando eu era moleque, eu tinha um parceiro que dizia que gente filha da puta só se dá bem na vida. Teve um tempo em que eu acreditei nessa porra, culpei o mundo por isso, mas depois decidi que comigo gente filha da puta ia se fuder muito. Foi uma promessa que fiz pra mim desde menor.

Só deixei de cumprir essa promessa uma vez, por causa da Luara, quando mandei a tia dela pra puta que pariu cheia do meu dinheiro. Minha preta nunca entendeu que o dinheiro não significava nada pra mim naquela situação, a paz era muito mais importante, queria que ela aprendesse outra frase que moldou a minha vida:

Dinheiro e violência só não resolve se for pouco.

O que muita violência ou muito dinheiro não resolve, não tem solução. Eu lutei pra caralho pra ter os dois e vim aqui cobrar o Ney, um pouco mais tarde do que deveria, mas promessa é promessa.

Digão: Tá surpreso. — solto uma risada anasalada e faço movimento com as mãos, deixando o pente carregado da minha arma cair no chão, só assim pra eu resistir à tentação de plantar uma bala bem no meio da testa desse arrombado — Achou mermo que eu tava morto...

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora